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"Nada, num sentido, é mais incómodo que o próximo. Este desejado não é o próprio indesejável?"
Este sóbrio conjunto afirmação-pergunta, feito um dia por Lévinas, o homem que como poucos terá definido o valor da alteridade, vinha-me à ideia sempre que abria esta página e via a imagem de um berlinde a rolar, sem que pudesse adivinhar se um tanto à toa ou se, numa hipótese mais preocupante, tendo como destino o abandono. Como...
[Ah, como já sei que alguém me vai chamar 'speeded-não-sei-quantos' aproveito para afirmar que também acho serem os intelectuais, e particularmente os universitários, "coca-bichinhos" das ideias". Tenho dito e segue o berlinde.]
... na raridade do momento de uma grande alegria, efémera porque incapaz de permanecer pela fuga dos instantes, a dar lugar ao desgosto. Ou, porque me lembrei de palavras de um Musil ainda jovem, como quanto experimentado por inquestionado se pode tornar incompreensível na apropriação que dele faz a restrição a que o pensamento o sujeita ou simples se torna, ao ritmo dos dias o que, inicialmente pelas palavras, convive com estranheza.
[E já por contra-ataque acrescento reconhecer no real a soma de paradoxos e contradições que encerram a afirmação e a negação, o branco e o negro - azul, verde, amarelo, etc, vermelho é que não, faxavor -, ou seja, o conjunto das instâncias múltiplas e contraditórias que fazem o humano.]
E se a estranheza tiver origem na falsa rotação de um presumível berlinde? E se toda a sua beleza se não constituir senão da aparência gerada pela ilusão com que um programa de computador lhe foi capaz de dar o que não tem? E se fôr tão só uma sedutora impostura, bela e contraditória na sua unilateralidade de mentira construída a partir da verdade incontestável que não deixa de ser a sua existência enquanto imagem? Nada tem a ver com o real e, no entanto, é móbil de um campo especulativo que se torna fim em si e utensílio de vã superioridade. À semelhança da paixão triste, e por isso mesmo compulsivamente repetitiva como qualquer ludopatia, que pode ser a esperança.
[E aqui chegando constato ser o internamento compulsivo uma boa solução quando me voltar a dar para escrever tretas destas. Bom, atendendendo ao post anterior do gestor desta residência, pior só se me tivesse detido a pensar se estas coisas da poesia têm mais a ver com o espírito ou com o coração e aterrar na definição de poema de Paul Valéry: "uma hesitação entre o som e o sentido". E isso...]
E se me fosse permitido escolher para o berlinde um destino? Entre um percurso recto e um sinuoso, o coração preferiria sempre o último por permitir que me sentisse perder sem que tal chegasse a acontecer, enveredar por um caminho sem saber onde vai ter. A razão, essa formidável inimiga do romance e traidora do amor, escolheria o abrigo de sinais de trânsito e regras de códigos polvilhados a moral como argumento contra. E eu, porque escrever será sempre inferior a viver, escolho o presente de continuar a ter vontade de mergulhar na espuma arejada - e salvadora do espírito - que são a superficialidade e a frivolidade, subterfúgio ou truque de provas dadas na vida contra a imensa maçada que são a inteligência e a seriedade.
[... não faço porque até na minha ingratidão sou capaz de pensar na que será, afinal, a maior lição dos estóicos: para não termos de recriminar o mundo por ser o que é - de repente lembrei-me de Fátima, não a da Iria mas a outra -, torna-se necessário tratar de fazermos as pazes connosco próprios e trabalhar para adquirir o único conhecimento que verdadeiramente o merece: o saber viver. Sem moderação, claro.]
Mas sobre irrelevâncias deste calibre - que devem ter a ver com a diminuição outonal do fotoperíodo - já Pessoa disse "Se a vida fosse suficiente, não haveria literatura". E se calhar, ó bênção acrescida para o Ecoponto vizinho!, nem jornais de fim de semana.
"Nada, num sentido, é mais incómodo que o próximo. Este desejado não é o próprio indesejável?"
Este sóbrio conjunto afirmação-pergunta, feito um dia por Lévinas, o homem que como poucos terá definido o valor da alteridade, vinha-me à ideia sempre que abria esta página e via a imagem de um berlinde a rolar, sem que pudesse adivinhar se um tanto à toa ou se, numa hipótese mais preocupante, tendo como destino o abandono. Como...
[Ah, como já sei que alguém me vai chamar 'speeded-não-sei-quantos' aproveito para afirmar que também acho serem os intelectuais, e particularmente os universitários, "coca-bichinhos" das ideias". Tenho dito e segue o berlinde.]
... na raridade do momento de uma grande alegria, efémera porque incapaz de permanecer pela fuga dos instantes, a dar lugar ao desgosto. Ou, porque me lembrei de palavras de um Musil ainda jovem, como quanto experimentado por inquestionado se pode tornar incompreensível na apropriação que dele faz a restrição a que o pensamento o sujeita ou simples se torna, ao ritmo dos dias o que, inicialmente pelas palavras, convive com estranheza.
[E já por contra-ataque acrescento reconhecer no real a soma de paradoxos e contradições que encerram a afirmação e a negação, o branco e o negro - azul, verde, amarelo, etc, vermelho é que não, faxavor -, ou seja, o conjunto das instâncias múltiplas e contraditórias que fazem o humano.]
E se a estranheza tiver origem na falsa rotação de um presumível berlinde? E se toda a sua beleza se não constituir senão da aparência gerada pela ilusão com que um programa de computador lhe foi capaz de dar o que não tem? E se fôr tão só uma sedutora impostura, bela e contraditória na sua unilateralidade de mentira construída a partir da verdade incontestável que não deixa de ser a sua existência enquanto imagem? Nada tem a ver com o real e, no entanto, é móbil de um campo especulativo que se torna fim em si e utensílio de vã superioridade. À semelhança da paixão triste, e por isso mesmo compulsivamente repetitiva como qualquer ludopatia, que pode ser a esperança.
[E aqui chegando constato ser o internamento compulsivo uma boa solução quando me voltar a dar para escrever tretas destas. Bom, atendendendo ao post anterior do gestor desta residência, pior só se me tivesse detido a pensar se estas coisas da poesia têm mais a ver com o espírito ou com o coração e aterrar na definição de poema de Paul Valéry: "uma hesitação entre o som e o sentido". E isso...]
E se me fosse permitido escolher para o berlinde um destino? Entre um percurso recto e um sinuoso, o coração preferiria sempre o último por permitir que me sentisse perder sem que tal chegasse a acontecer, enveredar por um caminho sem saber onde vai ter. A razão, essa formidável inimiga do romance e traidora do amor, escolheria o abrigo de sinais de trânsito e regras de códigos polvilhados a moral como argumento contra. E eu, porque escrever será sempre inferior a viver, escolho o presente de continuar a ter vontade de mergulhar na espuma arejada - e salvadora do espírito - que são a superficialidade e a frivolidade, subterfúgio ou truque de provas dadas na vida contra a imensa maçada que são a inteligência e a seriedade.
[... não faço porque até na minha ingratidão sou capaz de pensar na que será, afinal, a maior lição dos estóicos: para não termos de recriminar o mundo por ser o que é - de repente lembrei-me de Fátima, não a da Iria mas a outra -, torna-se necessário tratar de fazermos as pazes connosco próprios e trabalhar para adquirir o único conhecimento que verdadeiramente o merece: o saber viver. Sem moderação, claro.]
Mas sobre irrelevâncias deste calibre - que devem ter a ver com a diminuição outonal do fotoperíodo - já Pessoa disse "Se a vida fosse suficiente, não haveria literatura". E se calhar, ó bênção acrescida para o Ecoponto vizinho!, nem jornais de fim de semana.
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