Conto da idade da gaja lascada

Ela alimentava-se de desgostos de amor e até já lhes achava graça. Tinha-se especializado em ironias relacionadas com enganos e desenganos e nos dias mais inspirados tornava-se sarcástica com amantes de ocasião. Tinha pedido uma autorização especial ao criador para nunca vir a dar serventia a paixões de índole para-sexual e este inesperadamente tinha-lha deferido. Talvez tivesse ajudado ela ter prometido aos santinhos que nunca se deitaria em nenhum divã descodificador de sonhos e de humidades adolescentes e por isso conseguiu garantir uma vidinha de desejos controlados e compactados, uma espécie de love em mp3 na versão iFod toda abonecada. Ser uma mulher jeitosa era algo que também ajudava ao seu modo de vida no qual pavoneava perversidade polvilhada com floreados de inocência e mesmo sem se chamar rosa quando arredondava a saia já sabia o efeito que produzia nos canteiros adjacentes. Parecia doutra era, como que saída dum Woodstock mas com Vidal Sassoon, e fazendo bater as aurículas alheias que nem as cordas do Jimmy Hendrix; e o que ela desfrutava ao ver um coração a riffar por ela que nem lascas na mão dum marceneiro em início de desbaste; mas honra lhe seja feita: nunca deixou nenhum homem apeado, houve sempre uma palavra amiga, houve sempre um ‘talvez pudesses ter sido tu não fora eu me ter entregue a Deus’. Muitos pensavam que afinal ela se calhar era virgem, mas não, ela era mas é uma ganda lasca. Outros tempos, pois agora esta Pandora arrependida vende caixas mas em regime de corações franchisados. Ao não se ter conseguido manter tão enigmática e tão esbelta por mais tempo, combinou as coisinhas com o criador e passou a aconselhar homens com medo do quarto escuro.

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