O seu sonho mais secreto era ser cowboy, não é nada de original, quase todos os miúdos um dia quiseram ser cowboys, só que ele manteve esse desejo para sempre; aquilo de facto fazia o pleno de todos os seus desejos, de todas as suas ambições; era a solidão da pradaria, a vertigem do duelo mortal e definitivo com quem o desafiasse, a sedução pela confusão delirante do saloon, as miúdas absolutamente perdidas pela sua pose distante, a rapidez a sacar do coldre, a contemplação no olhar, a surpresa no beijar inesperado, a tranquilidade ao balcão, as cartas marcadas, nunca esgotar o tórax numa só inspiração, o sorriso a meio caminho entre o ausente e o carinhoso, a roupa cheia de suor mas sem se deixar colar ao corpo, o cavalo fiel mas nervoso, nunca saber onde dormiria no dia seguinte mas tendo sempre saudades da poeira que levantava, não precisar de ser esperto e bastar-lhe pôr o coração num batimento certo, preferir uma boa memória a uma estúpida glória, gostar que o vento lhe batesse na cara, mas trocando-o sempre que podia por um bafo quente e amigo; e saber morrer de amor por uma franja soprada.
Escrever não lhe dava gozo: «nem mata, nem mói». Ele no fundo não passava dum ganda cobói.
E foi-se, claro.
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