Há coisa de um ano vi escrito por aí – num belo aí - que «uma cicatriz, seja física ou moral, não se renega, estima-se: mais do que um sinal de sobrevivência é a garantia de uma nova oportunidade». Na altura não dei muita importância, hoje reli-a, ou melhor, eu hoje procurei-a mesmo, forcei-a a coincidenciar-se comigo, e pensei - de repente - que às vezes mais vale sermos cicatriz do que sermos mera borbulhagem, que até pode dar aquela comichão gira, aquele prazer de coçar, até pode fornecer um revirar de olhos no clímax da fogagem,
mas depois vai ser comida pela voragem
do tempo, que se reclina perante as cicatrizes mas despreza as alergias; às vezes apetece tanto fazer merda só para poder chegar e dizer: dá-me outra oportunidade,
nem que seja mentir, para depois poder dizer a verdade.
É terrível ‘competir’ com uma cicatriz, nem sequer é ‘viver por um triz’, é como um olhar a competir com um beijo, encanta mas não arrebata, finge que acerta mas nunca mata; deixemo-nos de tretas, o segredo foi afinal guardado pelo ganadero, confia mais no ferro do que na cerca, tal como o carinho dum abraço não vale o fogo dum coito; poderemos ser bons a sarar uma ferida,
mas para sacarmos o leite da vaca ela terá de ser mungida;
Infelizes dos que nunca experimentaram o sabor duma segunda oportunidade e se perderam no bem-estar duma agradável sensação, que não passava dum rappel de salão, duma segurança de circo, dum grand-slalom de mesa de bilhar e nunca arriscaram a ser cicatriz de ninguém, pouco mais produziram que um choro de mãe. Limitaram-se a rolar lisos e a dar ricochetes certos nas tabelas combinadas,
e nunca experimentaram o gume dumas facadas.
Mas não sei.
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