A dra Girassol ansiosa por me ver experimentar novos tratamentos disse-me que ‘chato’ tinha de ser elevado a conceito. Ai está ele. E até foi para esse conceito que Deus nosso Senhor inventou a famosa interjeição : fóoooodaaaaasssse. Meia dúzia de entradas no dicionário não ilustrado. (980 a 985)

Chato-pirrónico – É o seu estado mais perfeito; jamais se pode chegar ao Olimpo dos chatos se não formos capazes de repetir à exaustão uma ideia, duvidar ao limite da fadiga de que acreditam em nós, solicitar irritantemente provas de amizade e carinho, no fundo impor ao mundo que se explique, e timtim por timtim.

Chato-piquinhas – É o tipo que não se contenta com a formulação duma generalidade, exige a concretização, reclama o exemplo sem excepção, busca incansavelmente a causa que está por detrás do efeito numa espécie de sodomização dialéctica da realidade.

Chato-calimero – O ‘ninguém-gosta-de-mim-zismo’ é um must da alma em estado caramelo. Geralmente esses espécimes acabam por se agarrar um bocadinho nos dentes se nos esquecermos de chupar e de estar constantemente a dizer-lhes: ‘ai és tão docinho’.

Chato-vidrinho – É praticamente condição sine qua non para que se possa levar alguém ao estado de perfeita exasperação. Transportar a sua sensibilidadezinha sempre no extremo mais delicado, ver um bisturi em cada unha mal limada, é um dos estados mais cristalinos que pode atingir uma alma desenhada para encher o saco do alheio e ficar a olhar lá para dentro.

Chato-coisinho – Este é o tipo que está sempre a segurar na mãozinha da menina, a fazer-lhe festas com o polegar, depois passa-lhe com as pontas dos dedos pelas franja, delicadamente com as costas da mão pela cara e ainda chega ao cúmulo de lhe beijar a dita mão, como se uma mulher fosse um paramento à beira da procissão e um gajo um mero abanador de incensários.

Chato-complexado – É uma espécie da cereja no topo do bolo. Apresentar esta força interior que transporta qualquer complexo geralmente conduz a um ser ao qual é praticamente impossível não se lhe querer dar um belo e desanuviador par de estalos, se lá chegarmos claro, porque um dos complexos mais interessantes é o da perseguição e nem todos os chatos se chamam Bach.

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