Apenas para falar do tempo



Um representante português (será atleta?) nos Jogos Olímpicos justificou parte da má – péssima – prestação porque a aba da sua casaca estava sempre a bater no dorso do cavalo durante a prova de dressage. Certamente andou a treinar de cuecas, e agora o animal ressentiu-se de tão pouca ligeireza olímpica e da incomodativa batidela de aba de casaca. Eu também vos digo, se uma aba de casaca me andasse a bater nos costados enquanto eu escrevia esta coisa, certamente não sairia nada de jeito, só que agora também reparo que já estou de cócoras há mais de dez minutos, os pezinhos estão a ficar dormentes, e a cabecinha irá certamente desforrar-se devida e proporcionalmente.

Mas é verdade, às vezes tudo nos atrapalha, parecemos uns eternos reféns dos caprichos das baixas e das altas pressões, e até parece que não passamos de cavalinhos de cortesia em permanente dressage, uns armados em alazões à espera do embasbaque da audiência, e outros engaranhados à espera do seu ardor.

E olha, que se lixe o tempo, que se lixe a chuva, que se lixe a audiência, vou apenas dar provimento à sarna que me elegeu, e que me deu esta bênção de poder vir aqui apenas coçar, sem fazer ferida, sem ser inconveniente para ninguém, sem arrastar ninguém para a perdição, sem me poder queixar do tempo, nem das hemorróidas, nem das baby-sitters, apenas coçar, coçar, coçar.

Fazer de conta que me estão a mexer no cabelo, fazer de conta que sou político em estado de graça, fazer de conta que sou eminência parda, fazer de conta que ninguém precisa de mim para nada, fazer de conta que ninguém passa sem mim. Vou pedir ao mundo que esteja quieto com a aba da casaca, que me deixe apenas pavonear o meu trote, que me deixe apenas deslumbrar com o meu volteio encantado, ser apenas refém da vaidade, sem ter de prestar contas à modéstia, nem à verdade. Escrever à toa. Baralhar-me com o que escrevo, esquecer-me do que escrevi atrás, sacudindo a aba da casaca, desprezar o fosso olímpico e ver em cada charco uma água refrescante, ou um elixir esfoliante ( aux agrumes, ou não).

Deus sabe o que me estão a doer as costas, o como os pés já me estão quase em epidural, o como já me estão a gozar ali ao lado, mas o quão me apetecia estar aqui a escrever sem tino sem destino, como que me estando a mexer no cabelo e eu caindo num doce adormecimento. Levitar é para os pobres de espírito, que precisam de ter o corpo suspenso.



Só que isto nunca mais será o mesmo sem o Ferro Rodrigues, e eu já me estou a ressentir disso. Não estou a arranjar tema para conversas espongiformes, já me esqueci das letras da Tonicha – excepto o “zumba na caneca”, claro – e a nostalgia mal resolvida está a dar cabo da minha alma adolescente. Só se lêem livros parvos, que apenas servem para alimentar conversas de riso galopante, mas uma coisa é certa: que ninguém se lembre de me vir bater com a aba da casaca dizendo que é do vento. Eu cá sou BoDerekiano.

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