Puro barroco tardio e decadente. Sem excitações, e sem remissões para revistas literárias

Bola e mais bola



Eu cá a mim entristece-me ver falar de bola utilizando a expressividade leviana dos palavrões. Isso não fica bem para a dignidade dum jogo que vive do cavalheirismo entre duas pernas e uma bola (se bem que possa ocorrer igualmente a troca de intimidades entre uma perna junto de duas bolas). Para já, o efeito do palavrão desfocaliza-nos da beleza do jogo, e não raras vezes nos introduz numa temática sociológica que já conduziu muitos ao inferno, onde, como se sabe, o jogo da bola é proibido e a TV por cabo também.



Temos, por exemplo, o abuso do efeito artificial duma obscenidade que à primeira vista poderia descrever luminosamente a situação futebolística em que uma bola transpõe o intervalo anguloso que se produz quando duas pernas se abrem numa posição indecorosamente defensiva, chamando-lhe “grande rata”, o que me deixa desapontado, não só porque estes bichos não têm nada que ver com as inestéticas posições de equilíbrio defensivo que os primatas utilizam, como também não foram eles os responsáveis pela gretalidade que encerra toda a feminilidade. Quando deixaram Adão perante a opção "ou vai ou racha", ele também não hesitou. Toda a bola tem direito ao seu arco do triunfo.



Dizer igualmente que um jogador em concreto “não joga um caralho” reorienta-nos para a problemática da impotência sexual que como sabemos não se resolve com terapias violentas, mas sim com o carinho que deve moldar qualquer relação. Assim, deveremos antes informar o jogador de que o afluxo sanguíneo que proporciona geralmente o crescimento e enrijecimento do seu órgão sexual deverá ser canalizado durante o jogo para o cérebro, principalmente no momento em que se está, por exemplo, de frente para o guarda-redes e marcar um golo possa ser uma opção interessante a considerar. Poderemos pois chamar-lhe antes à atenção – em abstracto - de que ele deve jogar, isso sim, com a pontaria em constante erecção. Será um conselho praticamente científico e duma humanidade que ele não esquecerá, na condição da mulher nunca vir a saber. E poderá inclusivamente acontecer que o Viagra seja um bom mascarante para a Nandrolona, matando-se assim dois coelhos.



Admito ainda que o treinador possa ser um “cabrão”, eu próprio, à atrasado, utilizei esta desbocada e despudorada expressão, facto pelo qual de imediato me penalizo contorcida e contritamente, e só não fecho o blog porque não sou dado a êxtases escrupulosos, no entanto reparo que a localização de hastes marfínicas no topo da moleirinha poderá fazer apelo à estratégica colocação das bandeirinhas nacionais, o que nalguns brazucas de bigode ficaria bem a matar. Chamar ao “nosso” treinador apenas um porta estandartes será certamente mais mobilizador da sua estima e arrepiaremos caminho na utilização correcta na nobre língua portuguesa, e no respeito pelas espécies que podem dar o leitinho com que se produzem queijos saborosos, até porque de Sabrosas estamos conversados (choninhas da porra)



O desencanto provocado pelos resultados muitas vezes desemboca na utilização da expressão “vão para a puta que vos pariu”” dirigida a toda a comitiva. É desolador chegar a esse ponto de desrespeito; a insinuação de um parto menos desejado deveria ficar escondida nos recônditos da nossa obscura perversidade, e jamais ser revelada àqueles que um dia puderam ter feito a felicidade dum alma destinada ao sofrimento e à mais baixa degradação. Recolher ao regaço materno é um direito que a todos nos assiste, e que não deve dar azo a ser confundido com recriminações que são fruto certamente de recalcamentos que ficaram com a cabecinha de fora.



De facto também não deverá ser agradável ver a nossa equipa levar um penalty no último minuto, incluindo a expulsão do guarda-redes que já de si era o suplente. Mas a expressão «estão fodidos», que pareceria apropriada, poderá ser evitada se constatarmos na lição de civismo e elevação democrática com que uma coligação que leva uma enrabadela, perdão, uma penetrante lição eleitoral consegue continuar alegre e confiante agradecendo ao povo o tempo que ainda lhe deu de descontos. A esperança é a virtude que deve ser recuperada nestas circunstâncias, e jamais nos devemos deixar levar pelo desespero que conduz ao uso de expressões sexualmente agressivas e que nem sempre revelam consentimento mútuo.



Verifico no entanto, num misto de desencanto e ao mesmo tempo de admiração pelo grau de civismo que subentende, que a expressão «são uns enconados» caiu um pouco em desuso. A ambiguidade sexual que carregava esta frase, fazendo crer que a apatia e falta de iniciativa se situariam ali entre o lavatório e o bidé, junto à caixa dos evax-ultra-com-alas ( ai como fazem falta os alas meu Deus, se bem que centrar para o segundo poste na selecção portuguesa dá o mesmo efeito que fazer uma mijinha na bandeirola de canto), foi relegando-a para alguns nichos etnográficos, sendo substituída muitas vezes pela de “paneleiros de merda” . Trata-se duma alternativa a evitar porque concentra dois vocábulos ordinários levando a inebriar-nos num leverage de abandalhamento. Este simbolismo sexual poderá ser transferido - e com ganho – para a recuperação do fenómeno do hermafroditismo, que no fundo apela à versatilidade, factor tão importante nas tácticas de hoje que privilegiam os jogadores polivalentes.



Nota editorial: A utilização de expressões de índole levemente obscena neste texto, deve-se unicamente a critérios instrumentais e didácticos, e jamais motivados por uma alma conspurcada, doente ou vingativa.

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