Preguiça

Versão sem body milk



E pergunta o Terras do Nunca - «o que faz esse rebanho de abstencionistas para mudar a política?» Ora uma pergunta do JMF ( em iniciais fica mais fino) merece sempre resposta ( até porque gostei do texto dele, principalmente do «mas gramo-os»), aqui vai:



Apetece-me é dormir; mas só daquele sono que vem sem ninguém pedir. Ficar deitado, pondo o corpo de lado, segurando um livro qualquer, sei lá se é de homem ou de mulher; mas seguro-o só com uma mão, sem fazer muito esforço, e sem saber do que trata, o que importa é que as folhas passem, e não me macem, nem me torrem a energia que andei a poupar de dia, para depois poder dormir, indo atrás do corpo que quer fugir . Que raio de posição, só dá para ler as ímpares, azar, ao menos não está de pernas para o ar, leio as pares quando estiver virado para a janela, e de bónus ainda vejo o Tejo, mesmo sem caravela. Vai-se é perdendo algo da história, pode ser bem verdade, e nem se estimula a memória, mas vai-se amolecendo a vaidade; e desforro-me: vou fazendo do tempo mera escória, e alimento só a saudade. Que merda de livro, que merda de colchão, e já me dói a mão; «porra, nem as ímpares, meu cabrão!?» Olha, agora passaram três folhas de enfiada, vou perder o fio à meada, mas que se lixe o enredo, nem me estava a meter medo; preciso é que a outra mão fique sempre livre, para esgrimir, para traçar o meu porvir, para agarrar o meu destino, lindo menino, ou para me coçar, que o calor está a apertar; não se consegue dormir com a comichão, nem com a bexiga cheia feita um balão, que merda de corpo pagão, sempre a pedir amaciador, e terapias de fornicar sem dor. Mas afinal é tão bom ter o corpinho de lado, não ter de enfrentar a realidade, viver apenas encaixado, e com a espinha à vontade. Ou será esta indolência uma doce mas pecadora insolência, ou antes um desleixo escondendo incompetência. Mas então um livro arma-se em dama ofendida só porque vê uma página esquecida? Esquecida por quem o segura só com uma mão, e deixa as folhas irem caindo, adormecendo ao ritmo do paleio que o escritor foi parindo, fazendo votos de adormecer antes que a história o atormente, ou fique com o braço dormente, e não possa votar, em consciência, claro, haja decência, até porque pode já não haver paciência.



Toca o telefone. Dizem-me que é a Democracia. Gaja chata. Ah! vou mandar dizer que não estou. Ela que se amanhe sozinha.

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