Glandulagem again

“O cão bebe ruidosamente com a língua (...) ladra quando tem medo, geme sobre as pancadas. O lobo, esse aspira a água em silêncio, uiva os seus amores e enfrenta a morte sem um queixume» (*)



Eu por acaso até aprecio o insulto. Raramente me choca uma ofensa pessoal, e acho que é duma extrema humanidade fazer relevar os defeitos do alheio duma forma exemplar, desabrida e honesta. Poupar as pessoas pela via da atenção delicodoce é muito pior que entrar-lhes pela estima adentro e desfazê-la a nosso bel-prazer. A chamada dignidade humana é um pregão que se vende agora em qualquer banca de peixe fresco, e o melhor que lhe pode acontecer é acabar numa caldeirada misturada com as batatinhas às rodelas do respeito mútuo.

O carácter e o feitio são meras latas de abertura fácil, e feitas para viver em ambientes de frescura controlada; não valem sequer uma história bem contada, apenas lhes descortino interesse demagógico, ou mesmo um mero pretexto para o jogo do achincalhamento. Xaropadas de achincalhar antes de usar.

Quem quer ter direito à imagem que sonhou para si, o melhor que tem a fazer é disfarçar-se de herói de banda desenhada, e pedir que o artista esteja inspirado na “tira” que lhe coube na rifa. Viver poderá ser uma intifada monótona se não usarmos pedras aguçadas. Só o insulto mostra a nossa condição. Não há política nem poder sem sangue. O suor e as lágrimas são as secreções reservadas para quem é bem mandado. A civilização foi uma invenção de bárbaros preguiçosos, acomodados e amaricados. De quem quis babar os seu amores, em vez dos uivar.



Para desenjoar de gajas inacessíveis.

(*) in “ O Lobo Mongol “ de Homeric, prémio Médicis, ed. Ulisseia

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