Apeteceu-me
Um dos artistas que mais me ensinou o olhar foi Giorgio Morandi. Ao arrepio das tendências, dos formalismos, e dos informalismos, fez-me ver que a figura é que é devedora da abstracção (já estou a ficar pirrónico com esta coisa da dívida)
E até foi através dele que consegui fazer uma ponte – muito pessoal - entre os óptimos (mas mais óbvios) E. Hooper e Sean Scully. Os extremos do romantismo do sec XX? (nem acredito que escrevi isto).
Eu detesto as frases dos pintores, mas não resisto a citar a mais famosa (mas banal, obviamente) de Morandi: “não há nada mais abstracto que a realidade». E isto porque a associo imediatamente ao belo título do texto de apresentação do catálogo da exposição de S. Scully no Jeu de Paume em 1996: “Corps sans figure”. Estarei a alucinar certamente, pois nunca li sequer nenhuma referência a associar estes dois pintores, mas quando vejo um lembro-me sempre do outro. Metafísico chamam ao italiano, e ao irlandês/americano nem sabem bem o que lhe chamar, fora dos expressionismos e dos minimalismos recorrentes, e das ligações à arquitectura (é engraçado pois o badalado F. Gehry também se interessou imenso pelas naturezas mortas do Morandi). Mas eu até gosto de chavões na arte. Gosto mesmo. De rótulos, de jogos de influências. Todos têm direito às suas “brochas douradas”, todos têm direito a fazer parte duma corrente, a uma teoria, a um fino passe-partout.
É claro que este meu gosto por Morandi nada tem de especial, já o próprio G. C. Argan disse que ele é o melhor pintor italiano do século XX; Só que eu derreto-me mesmo com aquelas naturezas mortas, com aqueles desenhos de papel a fugir do lápis, com aquelas águas fortes que apetece roubar e escondê-las numas águas-furtadas (ele acaba por ser mais previsível nas aguarelas). Não, não vou exagerar e dizer que há uma dimensão Morandiana do espaço (até porque seria importada de Cézanne), ou que há uma diluição Morandiana da cor (até porque seria importada de Corot). Apetecia-me, mas porra, eu também tenho de zelar pela minha imagem.
Agora fui rever - no catálogo - os “Catherine Paintings” do Scully. Engraçado, já não gostei tanto. Se calhar foi porque antes vi uns Morandi. É a jigajoga do olhar. Sempre refém da memória. Sempre atraiçoando a imaginação.
Oh! E nem falei no E. Hooper... Mas também desse não lhe falta quem dele fale! Olha, viveu pacatamente como o Morandi. Ah! e já me esquecia doutra: São de E. Hooper as melhores águas furtadas da história da pintura. Viveria nas calmas enfiado numa, com a casa de banho de Scully, e um serviço de chá de Morandi. Até talvez me aparecesse a Tamara de Lempicka para pintar o retrato...
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