Acompanhei com certo tédio a ênfase dada a algumas tiradas pós-escleróticas do tal livro “Impasses” que, se Deus nosso Senhor me proteger em condições, nunca lhe porei os olhinhos em cima. Para indecisões já me bastam as saídas à noite da minha filha. Para delicadezas já me bastam os sermões da minha mulher (ups!...). Para evidências já me bastam os estragos do meu filho. No fundo eu sou uma pessoa muito caseira. Só que não gramo é pudins instantâneos disfarçados de doces conventuais. Nem fritadas que tresandam a previsibilidade. Exaustor ligado no novo dicionário não ilustrado para as entradas nºs 632 a 641.



“Não ter provas” – Estado da natureza em que o argumento perde a piada e fica ao mesmo nível da verdade, se bem que vestindo das melhores marcas. Mas como agora parece que não se tem provas de nada, acabamos por ter de viver todos no bom estilo “À Pai Adão”. Uma boa parra às vezes vale mais que um fraldário de banalidades descartáveis



“Análise” – Termo a pedir divã, só que geralmente se perde nos bordados da fina colchoaria que o cobre. A “indigência intelectual” é afinal a salvação de quem nada sabe desse ponto cruz.



“Insulto” – Verdadeira prova de que o “humanamente insuportável” apenas se aguenta, porque pensamos alegremente que há toneladas de malandros muito piores que nós e que precisam de ser devidamente postos no lugar.



“Desqualificação prévia do adversário” – Mais que óbvio imperativo da eficácia. De que vale termos as boas razões se depois perdemos no campeonato da fotogenia. Provar que o “parceiro” é um canastrão é meio caminho para termos razão, e para que o diafragma da verdade se nos abra de peito feito.



“Convicção própria” – Não vale um caracol. Se o valor das nossas ideias devesse alguma coisa às nossas convicções, passávamos os dias a passeá-las com trela curta, a dar-lhes banhinho, e a limpar-lhe as carraças.



“Argumentos de peso” – Aqueles que ajudam a descer às profundezas, mas dos quais nos temos de desfazer rapidamente se quisermos vir respirar à superfície. E as sereias não se interessam por mergulhadores muito ataviados.



“Velhas formas de discussão” – Aquelas onde "arrear" já se sabia que era um elemento com que se tinha de contar. A masculinidade – ou será machililinidade ? – do fenómeno, mais não fazia que erradicar os riscos da sodomia da razão.



“A verdade que nos é dado presenciar” – Mal sabem que a verdade é uma gaja discreta, não se encontra em qualquer esquina, e muito menos dorme com gajos que pensam muito. Geralmente esses tipos esquecem-se da carteira em casa, porque julgam que fornicam fiado.



“Boa-fé” – Estado da natureza em que a prepotência duma qualquer flatulência mental se vende como propano de rica e fina combustão



“Má fé” – Estado da natureza em que não há combustão que não seja logo acusada de fogo posto. Poucos percebem que o “estado de fé” é uma apólice de seguro que, vai-se a ver, cobre muito poucos riscos.

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