Novelo em desatino. Tomara que o desates com a tua arte. Causas e Efeitos à parte. Que não te seja nicotino.



EntreMIAda de COUTO



“O parto da água não tem testemunha”

E a mim rebentam-me as águas nesta estúpida ansiedade de ser estéril.



“Evitando juntar o inútil ao desagradável”

Fico-me quase sempre pelo pior dos dois.



“Os frutos só caem é na cabeça de quem abana a árvore”

Apetecia-me acreditar que abençoadas são as árvores que só se abateram pelo peso dos seus frutos.



“A bondade da água é o seu incansável retorno”

E a maldade do vento é o seu súbito desdém, próprio dos que julgam que nunca lhes poderão pedir contas.



“A água é amante incerta”

Mas amar também é a incerteza armada ao pingarelho da certeza.



“Cada metade é ainda o mundo todo”

E a outra face nunca é apenas meia moeda, nem, infelizmente, existem meias verdades



“Vejo o que vejo, deixo o espreitar para a girafa”

Sim, e porquê querer ver as coisas por cima, se elas se fazem por debaixo.



“Olhei em volta: o mundo não tinha nada para me explicar”

É que o mundo foi criado para apenas ser problema. Ninguém se entreteria com soluções



“Quem sabe da estrada não sabe do mundo”

Por isso querer apenas caminhar é ser sempre refém dum destino e servente duma origem.



“Cá eu prosseguirei o fatigável labor de encontrar a ostra dentro da pérola”

Este embalo do “dentro” e do “fora” é um trágico pêndulo para quem gosta de pastar num eterno “entre”.



“Os defuntos se extinguissem às suas custas”

Porque agora são tempos de pagar para não se ver. Pokers para maricas.



“A noite chegou, cansada do seu trabalho na outra face do mundo”

O dia também tinha direito à sua mulher-a-dias. Alguém que lhe trafique o pó e não vá preso.



“Seus olhos tinham superado a validade”

Pudessem os iluminados de turno dizer o mesmo. Mas eles próprios vivem dos azedumes que enganam o prazo.



“Um filho, afinal, é quem dá à luz a sua mãe”

E é por isso, afinal, que não existem filhos da puta.





“Nunca ponho três pontos que é para não pecar de insinuência”. Foi a esta “memória” que me levaram as últimas entradas no dicionário não ilustrado. Está no “Cronicando”, livro de crónicas de Mia Couto donde foram retirados os itálicos de cima. Isto foi uma mera repescaria de subriscados em tempos de sobradeira. O repriscador é que é tosco. Mas bem disposto porque “A vida nos rouba até os motivos da tristeza”.

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