Lost in Passion



"A Paixão de Cristo". Não vi o filme claro. E nada devo ao chamado ultra conservadorismo católico - mais claro ainda. Acredito na "verdade histórica" dum Deus-filho-de-Deus que encarnou e morreu por nós. E aparvalho-me no mistério que isso encerra. Sou de me deixar levar mais pelas "imagens" do que pelas "palavras". Sem medos e sem falsos respeitos. Não me encaixo naquela “categoria” dos "amigos cristãos" a quem a rua da judiaria pede opinião, mas não me importo de seguir, mesmo com atraso as suas pistas.



O "Deus católico" deixou-nos uma extraordinária, desconcertante - e pouco óbvia - mensagem: não quis que tudo rolasse à volta d'Ele. Deixou a "imagem" e a "palavra" no ponto certo sem nos colocar sequestrados por nenhuma delas. O "Mundo" e o "Paraíso" ficaram a bailar no mesmo palco. Como doutrina compagina um caminho difícil e rigoroso, que valoriza o sacrifício e a intimidade com Ele, com uma frescura de misericórdia, esperança e desvelo pelos desventurados. É um curto-circuito constante entre o " fechamento determinista" duma criação e a "abertura errática" duma redenção.



A situação do "povo judeu" é uma dessas desconcertantes searas que nos deixou para desbastar. Acabamos por viver “todos” demasiado reféns das suas origens, da sua diáspora e dos seus pesadelos. Fica negligenciado o valor da sua "radical" espiritualidade, dando aspecto duma religião não libertada. Mas isso também é resultado duma "estratégia" de defesa e ataque aparentemente penosa para um povo que - como muitos outros - produziu dos mais brilhantes pensadores, dos mais brilhantes homens de negócios, dos mais brilhantes cientistas, e - desgraçadamente - dos mais brilhantes mártires.



De facto Jesus era judeu. Só que, aí está, isso que significa? Pouco. Muito. E Jesus era filho de uma Virgem. E isso que significa? Pouco. Muito. E Pilatos lavou as suas mãos. E isso que significa? Pouco. Muito. A nossa alma também tem o dom de fazer dos mitos um bem descartável. É pena não aproveitarmos na dose certa. A morte de Jesus não é um caso de polícia ou para a justiça retroactiva. E para pecado original acho que nos basta o do “rapazola” da maçã.



Volto ao "cristianismo-catolicismo". O seu legado é dum duríssimo confronto entre a tolerância e a verdade absoluta. O catolicismo - ao contrário do que "parece parecer" - ensinou-me a não ser refém da história, nem refém do pecado, nem refém da lei, nem refém do sangue, e ....nem refém de mim, nem de Deus!

Não me entretenho no paintball das religiões e das suas justificações. Mas faço "paciências" com as minhas dúvidas e debilidades. Não são poucas as vezes que atiro as cartas todas para o chão. Confundido e revoltado por não dar gozo fazer batota connosco próprios.



Quando "olho" para a caminhada de Jesus para a Cruz sinto-me como se ele nos visasse como Henri Michaux (1) ao referir-se aos Indus «quando falam connosco é nariz contra nariz. Toma-nos o hálito da boca . Nunca se sentirá suficientemente próximo. A sua cabeça invasora e os seus olhos despropositados intrometem-se entre nós e o horizonte ». Penso por isso que a Paixão é intraduzível, e perco-me nela. Jesus chamou de insensatos e lentos de coração os que ignoravam ser necessário que Ele sofresse para entrar na sua glória. Mantemo-nos tal qual. Mas também faz parte, vendo bem as coisas.



(1) Em "Um Bárbaro na Ásia"

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