Diálogos para palitar os dentes



- Então mas essa coisa dos sentimentos serve mesmo para quê?

- É pá não brinques com isso, não vês que se podem transformar em desejos incontroláveis...

- Pior era se dessem em bocejos controláveis.

- ...E não se devem expor desnudadamente, porque se banalizam e depois já não se lhes reconhece o valor.

- Valor? Então é porque são mesmo para fazer negócio

- Parvoíce! Valor porque com eles fazemo-nos pessoas completas, autênticas e felizes

- Felizes!? Então não sabes que essa palavra agora já não se pode usar

- Não consegues falar normalmente! Quero lá saber disso. Os sentimentos dividem as pessoas em boas e más!

- Então é como a porcaria da embraiagem. Separa o motor das rodas.

- Ora que merda de função com que tu comparas. Não anda, não vira, não pára; Até parece que os sentimentos estão ali só para nos mostrar que o corpo e a alma juntos atrapalham a meter as mudanças.

- Merda de função mesmo. Se calhar vou aderir aos sentimentos automáticos

- Isso não existe. Só brincas com as palavras.

- Como já não tens argumentos, dizes que o que não percebes são brincadeiras de palavras.

- Não perceber não é nenhum crime. Não querer perceber é que é mau.

- E depois sou eu que sou brincalhão. Agora até já tenho mesmo a certeza: Quem diz que não explora os sentimentos dos outros é hipócrita.

- Essa palavra o terras já usou. Vê se dizes qualquer coisa de novo.

- Já sabes que eu cago para a originalidade. E para já não há moralidade nos sentimentos.

- Ih ih tanta trivialidade. E tu também já sabes que eu acho que as televisões estão ao serviço de Satanás

- Aibeguiópardan. Esse gajo não trabalha com a asneira envitrinada pá! E as televisões são quem tem prestado o melhor serviço aos sentimentos. Senão eles já estavam transformados em stock options.

- Olhas para o mundo como se fosse um circo.

- Penso muito nessa imagem por acaso. Nem sou o único.

- Sim, sim, a parvoeira tem muita clientela

- A minha filha diria que estamos a atrofiar. Tu querias mesmo era empanturrar-me com a ladainha do comércio mediático dos sentimentos. Digo-te mais, uma lagrimazita derramada em directo é um riacho que nos leva ao céu.

- Não se pode falar contigo. És uma alma incompetente e um cérebro irrelevante. És uma pura máscara com pernas

- E até te digo, só a tiro para fazer a barba.

- Com pessoas como tu o mundo ia longe...

- A distância é um conceito arcaico. A verdadeira variável é a ilusão do tempo.

- Queimas etapas demais com a tua ignorância

- Ah! agora já te sabe bem chamares-me ignorante. Mero chalaceiro, acrescenta lá. O que se despreza é o que se admira, palhaço! e o que nos irrita é o que vale a pena.

- É pá diz-me lá uma coisa: tu gostas realmente de alguém?

- Isso agora só respondo se tiver uma televisão a filmar em directo.

- Descobri-te: com essa ironia de trazer por casa escondes uma incontrolável ânsia de que olhem para ti

- Incontrolável é uma palavra que te apoquenta muito diz lá...

- Sou responsável. Não gosto de andar à deriva. Principalmente se estiverem outros comigo.

- Não gostas de derivar, estou a ver....És primitivo, concluo!

- Ah claro, e julgas-te brilhante, um mestre da livre associação não?

- Olha lá, mas esses gajos da televisão fizeram-te algum mal

- Prometem a fama efémera. Promovem o drama artificial. Prosseguem a facilidade.

- Foda-se, e depois sou eu que brinco com as palavras. Atina: Aquela merda é só imagens a mexerem-se nuns esgares tremeliquentos.

- Julgas-te agora o mestre da redução ao absurdo. O verdadeiro descodificador – simplificador que nos vai libertar dos grilhões da complexidade

- É pá tu andas-te a preparar para algum talk-show, meu dissimulado!

- Nem morto! Preferia ser político.

- Bem, não podes mesmo ver mais televisão. Não andas a perceber nada dos programas.

- Olha, até gostei muito daquela moça, da Cardona

- Ah estou a ver ...as gravações das declarações dela devem estar a atulhar os tribunais a fundamentar toneladas de recursos. Abençoada televisão, vês.

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