O natal foi como Deus quis. O novo dicionário não ilustrado despoja-se das suas vestes de reles definidor, e entrega-se com o desprendimento possível ao banho da contemplação. Hoje não se me vai despedaçar o coração, mas também não o porei muito ao alto; estarei antes “ao jeito” do personagem de S. Beckett : o ventrículo na sabedoria do presépio, e o aurículo na futilidade dos factos. ( entradas 389 a 398 )



Sagrada Família – Desde que os anjos deixaram de aparecer nos sonhos, a família perfeita ficou entregue aos pesadelos da sorte.



Reis magos – O poder já foi errante, inconformado e reconhecido. Agora erra em conformidade, e desdenha depois de ter comido.



Recenseamento – Um acto de contagem administrativa esteve na origem das circunstâncias do natal fundador; Os novos filhos da estatística pelam-se para recuperar esse poder imperial.



Ouro, incenso e mirra – Os bens mais preciosos não são cobiçados, mas apenas recebidos.



Estrela guia – O novo firmamento deixou-nos entregues às luas de ocasião.



Manjedoura – O único local de “culto” que verdadeiramente frutificou sem crises de simbolismo, nem trejeitos de modernidade.



Pastores – Muitos dos novos “espalhadores de boas novas” adormecem agora encostados ao cajado da notícia.



Matança dos inocentes – Como já não há inocentes, todos participamos na matança de dentinho afiado. Uns salivam mais que outros, é certo.



Herodes – Subornar e depois cortar rente, é a sina dum poder que faz figura de corpo presente



Fuga para o Egipto – Dêem-nos um burro em condições e verão que nos pomos todos ao caminho.

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