A “ascética” do “ano novo vida nova” realça o cocktail da ingenuidade humana misturada com a sua crueldade. O novo dicionário não ilustrado não podia perder esta ocasião para apelar ao sossego que é a bebida pura do “deixandar”. Numa singela homenagem ao “adia tudo” de Pessoa. ( entradas 399 a 409 )



Começar de novo – É o sonho da vida-em-playstation. Tudo ao alcance de um botão e duma password. Só que o software do Destino é de download ilegal, e quando pensamos que o sacámos, verificamos que afinal vem cheio de vírus.



Agora é que vai ser – Se formos nós a dar o tiro, nunca faremos falsas partidas. Os mais espertos levam a linha da meta no bolso de trás.



Mudar de vida – Os momentos de viragem são encantadores, principalmente se pudermos estar ao leme a beber uns refrescos, com o resto da tripulação dividida a esfregar o convés e a entreter-se com as velas.



Pôr o passado para trás das costas – O peso acaba por nos curvar em demasia, e a dança “do que lá vai, lá vai” soará a samba fadunchado.



Há que olhar em frente – Viver de peito feito e não olhar para trás pode aparentar resolver o problema duma vida sinuosa e até prevenir os remorços-de-torcicolo, mas não esclarece o mistério da peregrinação.



Nunca é tarde para mudar – Quando for eu a mandar, fico a segurar nos ponteiros. Não me fio em relógios que trabalham em auto-gestão.



Seja o que Deus quiser – Viver online com a providência divina. Gigas ilimitados de esperança é só no adsl dos bens aventurados.



É hora de dar um rumo certo – A orgia de entroncamentos em que gostamos de transformar a nossa vida, coloca-nos em constante risco de fazermos alguns troços em contra-mão, chamando aos outros egoístas ou incompetentes.



O futuro está nas nossas mãos – Os que julgam que têm mãos de oiro, gostam de ficar a adorá-las, pensando que se podem lambuzar sem ficar pegajosos. A memória desforra-se porque é tensioactiva.



Virar a página – Ver a vida como uma resma de acontecimentos. Uma rabanada de vento pode deixar-nos as páginas trágicas coladas ao corpo.



É tempo de repensar tudo – Pôr a vida à mercê duma segunda lavagem pelo neurónio mais a jeito. E como se segue geralmente a enxaguada da experiência, os recursos vão encolhendo.

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