Para esquecer a romaria à senhora da cunha e aliviar da via-sacra na casa pia, estaremos agora dedicados à ladainha do orçamento. Demonstramos assim a grande dificuldade que temos em nos assumirmos como um estado laico; o novo dicionário não ilustrado o mais que pode ir fazendo, é lavar os dogmas com água de malvas em vez de usar água benta.( entradas 253 a 262 )



Ciclo económico – Designação comum para um momento em que tudo se passa sem que ninguém dê conta, e que depois, quando todos dão conta, já passou. Felizmente asseguram-nos que os “ciclos são cíclicos”, e que três ciclos seguidos não fazem um triciclo mas antes um período. Ocasionalmente estes não menstruam, e é sinal de que passado alguns meses vão aparecer problemas novos.



Crescimento – Fenómeno curioso em que os números nunca encolhem com as lavagens estatísticas, e se debotarem existe um maravilhoso elixir chamado “critério”.



Competitividade – Mitificação dum complexo mal resolvido de Adam Smith segundo o qual, para sustentar as bebedeiras duns “ricos”, os “pobres” terão de tricotar, rapidamente e em conta, as camisolinhas de lã para os outros usarem depois da ressaca.



Equilíbrio – Na corda bamba da economia, a melhor vertigem é a dos que fecham os olhos e sonham que a frigidez da conta bancária pode ser curada pela lambidela dum Nobel na púbis a descoberto



Modelo de desenvolvimento – Espécie de figurino teórico caído em desuso nas últimas estações, mas que teve de ser recuperado por falta de verba para assistir aos desfiles. Os manequins vão-se então oferecendo para mostrar nas revistas a suas insinuantes e esquálidas peidolas, de forma a arregalar os olhos dos que as têm desgraçadamente peladas.



Mecanismos de auto-regulação – Descoberta apresentada como a quinta-essência do liberalismo económico. A sintonização automática faz maravilhas, e até se vê televisão por cabo na sopa dos pobres, sem ser preciso lá estar um ministro com o comando nas unhas e à toa com as instruções.



Afectação de recursos escassos – Fatalidade de um património a quem se atribuiu um nome infeliz. O facto de ser escasso não ajuda, pois todos os mirones estão de olho nele. É inevitável que fique afectado.



Políticas monetárias restritivas – Irritados com o princípio de que “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, os economistas inventaram o estado da natureza denominado “massa monetária”. Comporta-se como o intestino grosso e tem tendência para estar em constante espasmo. A diferença é que à merda chamaram inflação e a prisão de ventre passou assim a ser um objectivo estratégico.



Convergência – Mecanismo próprio da nossa condição de primatas mictantes. Um fluxo urinário que não seja convergente coloca-nos inevitavelmente a chapinhar num pântano de icterícia crise. A faiança sanitária foi pois o melhor instrumento que se descobriu para atenuar a luta de classes.



Consolidação orçamental – Efeito de uma argamassa que, “vai-se a ver”, quanto mais porosa mais formosa. Tal como na consciência, demasiada densidade só atrapalha, e os buracos não são mais que preciosas válvulas de escape.

Sem comentários: