Engajamentos



Há que acarinhar os peditórios da “esquerda” versus “direita”, porque esta dicotomia é acolhedora, dá segurança, e é um bom refúgio em momentos de esterilidade e intranquilidade criativa. Os esgares da “liberdade” e da “igualdade” fornecem-lhes ainda os adereços necessários para estar sempre na moda.



Se um infeliz destes, mais desprevenido, disser uma asneira, certamente alguém já a terá justificado, ou com uma referência histórica bem desmontada, ou com uma frase enigmática, mesmo irónica, mas sempre brilhantemente fundamentada por um deus de serviço.



Eu pessoalmente até gosto de ler textos de gente engajada. Lêem-se com serenidade, com aquele descanso de alma de quem já sabe o que vai acontecer, não vai haver muitas surpresas, os bons raramente se misturam com os maus e nós não nos baralhamos. E o Popeye nunca aparecerá a estragar a história da Bela adormecida.



Este espartilho ideológico – espantosamente – ainda liberta o engajado do desagradável que é ter o desconforto da dúvida, e impede-o de ficar indecentemente despido de preconceitos e assim escandalizar a audiência.

Desenhar num quadriculado já conhecido é a garantia de que nenhuma parte ficará desproporcionada. A estética nunca extravasará a ética do discurso.



O recorrente – mas intermitente e bacoco – elogio de um lado ao outro da barricada, mesmo se pueril, faz mostra de que talvez tudo se pudesse resumir a um concurso de dardos palavrosos que acabasse com umas cervejolas. Mas o jogo floral dos conceitos e das argumentações tem clientela mais fina que os bares de alterne.



Não desprezo, por isso, o pensamento previsível, porque dele é o reino dos bem-aventurados. Dos que não vão em aventuras mas tiram sempre as melhores fotografias.

Até porque a esquerda e a direita existem mesmo. Mostram o poder no seu esplendor e no seu estertor. A demasiado valorizada “independência” corre o risco de o mostrar apenas no seu rancor.



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