O poder “divinizado” provoca certos arrepios e deve ser bem desmontado. Colocá-lo no divã é uma opção redutora mas interessante. O Novo dicionário não ilustrado tratou hoje, então, do poder “divanizado”. Para espairecer um bocado, e a ouvir a Carla Bruni, desparamentei-me (...) de preconceitos, e ouvi assim o que o "poder" tinha para me dizer :( 172 a 183)



“Voltaria a fazer o mesmo” –Frase reveladora do “princípio da constância” que enuncia que qualquer “aparelho psíquico” tende a manter constante o nível de excitação. No aparelho de estado, e no aparelho dos dentes a excitação está muitas vezes presa por arames



“Não há contradição no que digo” – No exercício do poder o mecanismo de “defesa” livra-nos de uma “condensação” demasiado complexa. Esmiuçando: o poder ao exercer-se recalca vários factos difíceis de ligar, factos esses que já de si apresentavam a concentração de outras representações simbólicas. Ou seja, um tipo está tão “à nora”, que contradizer-se é o melhor que lhe pode acontecer.



“Assumo as posições que tomei”
– Frase reveladora de que é de facto o “princípio do prazer” que rege o funcionamento da psique. No kamasutra do poder, a primeira posição é virado de costas para o real, fingindo que se está a ver tudo.



“Não sou pressionável” – Prenúncio do desencadear de um “processo mórbido”, consequência de não se realizarem as “simbolizações” infantis de que o poder é um balão que nunca rebenta. Esta “psicose” anunciada desembocará na visão do mundo como um jogo de monopólio mas com as regras da sueca. A populaça é verbo de encher.



“Não quero alimentar polémicas” – O poder é que é a verdadeira “reconstrução fictícia da vida libidinal”. Do prazer solitário, dizem alguns, do sexo em grupo, referem outros. A polémica, que é endémica, é sempre preservada na “borrachinha campanular” dos media.



“ É uma questão de perspectiva” – Frase que realça a “sublimação” como elemento essencial do “momento político-jornalístico”; substitui-se o objecto sexual ( os gajos a quem se “fodeu” ) por outro não sexual ( a jornalista que o quer “foder). Nota : pode haver fusão entre objectos



“ Não me recordo dessa frase” – Expressão reveladora da boa organização de um “recalcamento”, negando eficazmente o acesso ao consciente de um confrangedor momento do passado.



“Vamos passar uma esponja sobre esse assunto”
– Utilização do fortíssimo poder tensioactivo do detergente mental, para exercitar a “anulação retroactiva”. É um mecanismo frequentemente utilizado, quando se pensa que o “passado” é para saldar, e que o futuro vai vender muito bem.



“A minha intenção não era essa” – Frase reveladora de uma “melancolia” no exercício do poder, que mais não é do que o reflexo, não da “perda subjectiva do eu”, mas sim duma “perda objectiva do tacho”



“ Temos de nos abrir à sociedade civil” – Recusa do método da “abstinência”, pelo qual não se investe demasiado em objectos exteriores ao tratamento. Geralmente, essa rapaziada da sociedade civil acaba por vir com os sapatos sujos e estraga a alcatifa. E depois, como estão sempre a pisar no mesmo sítio, deixam a marca do pêlo mais ralo, o que é desagradável.



“ A solução está em criarmos uma ampla plataforma “ – Quando em pânico pela possibilidade de sucesso do “método catártico”, se opta por dar as mãos numa corrente de solidariedade que resulta geralmente na esmola da praxe



“ Estamos atentos aos sinais da realidade” – Balofa expressão que mais não faz do que esconder a técnica da “atenção flutuante”, em que o poder não privilegia nenhum aspecto particular da realidade. O poder gosta inclusive de apregoar que deixa a desgraçada plebe em “livre associação”, para depois se suspirar pelo seu paradigma regulador.

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