O espírito humano socorrendo-se das harmoniosas artes da
retórica e da socialização tem desenvolvido ao longo do tempo diversificadas
formas de ir mandando à merda o próximo. Não é propriamente uma sofisticação do
espírito civilizado mas é algo-que-tem-os-seus-quês.
Há, para começar, vários desafios em presença. O visado
entenderá bem? Como faço a distinção entre um mandar à merda e um vai-te foder?
(que não são a mesma coisa, a escatologia é uma ciência exacta). Como evito a
decadência e simultaneamente dou glamour ao processo? Enfim, há um sem número de
matizes neste exigente saber.
Existe, desde logo, uma forte separação entre as correntes
maximalistas e as minimalistas, com muito maior prevalência recente destas
últimas. Importará assim perceber, principalmente como sujeitos passivos, qual
a técnica de informe minimal que os nosso mandante estará a utilizar.
Vou concentrar-me nos formatos escritos pela maior afinidade
que têm com o próprio meio que estou a utilizar para me fazer entender.
Sem mais preambulinas: o formato onomatopeico atinge
geralmente o seu pico de eficácia com a utilização (simples ou combinada) do clássico
‘humm’ (com ou sem reticências). Eu chamar-lhe-ia mesmo o zénite dos mandares à
merda. E então ao soltar um ‘humm’ logo após um simples ‘ah sim?´, ou um ‘É?’,
ou até ‘Foi?’ produz um pleno incomparável. Em geral, diga-se também, qualquer
forma isolada do verbo ser em postura
interrogativa tem um impressionante efeito de idemerdar.
As expressões minimais conseguem para além disso o duplo
efeito de mandar à merda e chamar o interlocutor ou de estúpido (nem se
escrevesse muito perceberias) ou de irrelevante (não justificas o tempo que perderia
a explicar-te melhor).
Uma das mensagens que igualmente se pretende acumular no
processo de idemerdar é a de ‘e agora fica praí a pensar o que quiseres que
tanto me dá’. Não é fácil porque no fundo pretende-se em simultâneo dar ênfase
num conteúdo ( o ide à merda) e dar ênfase na ausência de conteúdo (o tanto me
faz). Daí a importância das pequenas frases auto-explicativas, os suspenses
negligé, os pequenos deslizes ortográficos, as assinaturas mais abreviadas ou
mesmo esquecidas. Enfim, a sintaxe e ortografia tornam-se facilmente potentes
armas de duelo nesta nobre arte da diplomacia da merda. Para quê um revolver se
temos um ponto de interrogação, para quê um palavrão se temos o verbo ser, para
quê uma despedida se temos um humm no
coldre.
No reino do idemerdar a potência está na falta de potência.
Não há fissões nucleares quando nos mandam bem à merda. Não há física de partículas,
tudo se resume a uma mera bruxaria com pontuações e formas verbais de criança.
Em geral há também uma mensagem subliminar que gostam de nos
transmitir neste processo: ‘nós estamos sempre com a mesma conversa’. Ou seja, ninguém
gosta de enviar alguém àquela parte e ficar com migalhas de culpa a sujar-lhe o
colo. Assim, o enfado com a nossa incapacidade para trazer algo de novo à
conversa/relação é um must associado ao idemerdar. E, cúmulo dos cúmulos, píncaro
dos píncaros, ainda se consegue um novo pleno (o chamado especial-gostinho):
retirar prazer de enviar alguém à merda.
Registo assim com especial contemplação que quando alguém me
manda bem à merda, numa perfeita combinação de técnica e maturidade emocional, contribuí
para o bem-estar dessa pessoa e para o nobre exercício de uma arte que não se
pode perder nem sequer banalizar nestes novos e vorazes tempos em que a
serenidade do estilo parece soterrada pela velocidade do conteúdo.
E o que fazer quando esta experiência nos acontece; desfrutar da excelência alheia e sermos gratos pela escolha como peluches de entulho.
E o que fazer quando esta experiência nos acontece; desfrutar da excelência alheia e sermos gratos pela escolha como peluches de entulho.