‘Folhas mortas, finados & marmelos’ Contra ‘Cheiro a relva, velas acesas & chás’
Aquilo a que geralmente chamamos natureza humana
caracteriza-se (bastante) pela insatisfação e contentamentos selectivos
(tolstoi diz doutra forma, já se sabe). Nas zonas de transição ficamos um pouco
perdidos, e em geral tendemos a tomar partido por estados de alma de ocasião,
mais ou menos justificados pelas deusas da patologia.
O Outono é um dos momentos de transição em que tendemos também
a aproveitar para fazer um statement estético, algo apenas ao alcance de almas sensíveis,
mas em todo o caso julgo que qualquer animal provido de epiderme tem direito
pelo menos a exprimir-se, desde que não o faça, claro, revelando outonos privados
de terceiros, pois quem não quer ser saraiva não lhe veste a pele.
Ora dois seres tuitamente sensíveis e delicados sintetizaram
(se bem que reprimindo certamente a exibição de emoções sensoriais mais fortes
por mero pudor ou humildade) o seu olhar outonal mostrando as várias faces do esplendor
e decadência equinociais.
Se Braque ou Picasso quisessem cubificar o Outono, iriam de
certeza inspirar-se naquela luta de contrários que epigrafa este post, Picasso
poderia mesmo ir mais longe e fazer uma guernica-das-quatro-estações,
entrelaçando marmelos e velas de pavio curto com folhagens acastanhadas espojadas
sobre relvas licenciadas em húmido encanto, num ataque de arcimboldismo.
Mas na verdade sinto-me incapaz de acrescentar valor,
património, poupança ou riqueza a tais iconografias e presto singelamente tributo
ao Outono, seja ele do nosso contentamento ou descontentamento, antes que venha
o inverno de Steinbeck ou doutro cabrón y nos joda.
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