Porcentimento



A intuição já teve os seus melhores dias, Freud e mais recentemente Kahneman fizeram bastante por ela mas não o suficiente para matarem essa persistente mania do homem em pensar elaboradamente sobre o que o rodeia por fora e por dentro. Mas por outro lado, se virmos bem, o pensamento também já teve os seus momentos de glória, esse lado piolhoso da nossa natureza que se dedica a confabular sobre si própria tem-nos provocado inúmeros percalços e quantas vezes o método foi mais discurso e menos recurso. Por isso o homem, sempre na busca das terceiras vias, sejam elas bermas, sejam elas separadores centrais, tende a escolher locais para se despistar cada vez com mais estilo. Recorrentemente, a par da lírica e do absurdo, o homem-número puxa dos seus galões e põe as suas estatísticas no coldre. Que se lixe o romantismo, que se lixe o realismo, que se lixe o sentimento, que se lixe a paisagem: viva a percentagem. Cansados de tanto pressentimento os homens tendem a pensar que o fim do mundo é apenas o resultado de uma cadeia de sinais. Começa-se numa volatilidade, passa-se a uma tendência e finalmente temos uma probabilidade. O mundo torna-se mais evidente e rotundo que o rabo duma kardashian; deixamos de antever, deixamos de apenas relacionar, deixamos de precisar sequer de perscrutar a realidade, basta-nos porcenti-la. Para quê um romance, para quê um ensaio, para quê um estudo, quando temos um porcentimento tão profundo que nos diz que se quem tem cu tem medo, não é por muito morrer que se morre mais cedo.

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