Deus, como seria de esperar, olha para nós com curiosidade
divina. A curiosidade divina consiste numa espécie de auto-redenção do criador
que recebe o homem-feito-deus e lhe administra a eternidade chave-na-mão com
uma paciência infinita. Mas o homem há muito que pôs Deus na borda do prato (há
quem diga que é o local onde guardamos o que gostamos mais para depois degustar
com cuidado) e Ele teve de reestruturar o Purgatório face à nova realidade
religiosa. Podemos chamar a este novo local, para utilizar uma terminologia d'época:
o Purgatório-social. A meio caminho entre a eternidade-ameaça e a
eternidade-protecção este novo purgatório tem apenas para fornecer aos penitentes
os serviços mínimos de penitência e adoração. A comissão instaladora definiu
assim as suas funções: garantir apenas que perceberam a merda que fizeram e a
merda que deixaram por fazer. Ou seja, deixamos de ter a possibilidade de
vislumbrar antecipadamente a experiência de O ver face a face, mas por outro
lado também não nos consumimos demasiado com a pecadilhada que distribuímos
enquanto por aqui andámos. O novo Purgatório-social permitirá que nos
habituemos mais gradualmente à nossa nova condição de mortos-pendentes do Juízo
Final e que mantenhamos as virtudes teologais a um nível que nem envergonhe os
santos nem desespere mais os que ficaram entalados noutros braseiros. Revistos
os serviços mínimos deste Purgatório livre de expectativas que a fé de um
penitente moderno já não consegue acompanhar, restam-nos agora uns quantos
séculos de misericordiodependência e , quanto muito, um ou outro período de
graças gordas.
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