A sexta avaliação


Carlos Fontes estava ansioso naquela terça-feira que arrancou com uma desconsoladora neblina. Iria estar com Luísa pela sexta vez e dos outros encontros não conseguira retirar um percurso, uma casualidade de emoções, reacções, suspiros ou sequer sorrisos, um love path. Cada encontro era um universo novo a descobrir, nem sequer percebia se se daria uma translação ou uma mera rotação, nos momentos que estiveram juntos o tempo parecera-lhe saído da cauda dum cometa desgovernado. Umas vezes faladora e expansiva, noutras circunspecta, em momentos lúcida e racional, noutros lúdica e enigmática. E como seria que ela o veria? Nunca conseguira perceber. Cada abraço era um exame, o simples olhar dela era uma cirurgia, cada carícia uma ecografia, cada beijo fugaz era saboreado como se duma ressonância magnética se tratasse. Desta vez encontraram-se num pastelaria de bairro junto a uma praça quase vazia duma zona antiga da cidade. Luísa apresentou-se calada e na expectativa. Parecia querer fazer do seu silêncio uma bancada de laboratório onde ele se teria de deitar para observação. Será que o verdadeiro teste a um homem é quando uma mulher se deixa ficar calada? Foi este o pensamento que o arrebatou imediatamente. Mas Carlos sentia-se um grande polidor do silêncio feminino e encarou aquela sexta avaliação como uma oportunidade de a conquistar irreversivelmente, de a cobrir com uma patine de sensualidade que a deixaria brilhante, como uma santa queirosiana de colo ebúrneo e trança de oiro. Quando ela esboçou a primeira intenção de falar ele chamou o indicador à frente de batalha e traçou-lhe os lábios, ainda ressequidos mas já carnudos e puníceos, como numa benção pagã, preparando um ritual de palavras ternas, doces. O silêncio de Luisa seria coberto por uma manta de sussurros, qual paramentária de pentecostes, rubra e festiva, eloquente, como só eloquente consegue ser um homem que ama sem razões. Deixou-a sem fala, presa num torpor de encantamentos inesperados e pronta para lhe fornecer o seu amor em tranches voluptuosas e ardentes, que ele trincaria reverberando uma constelação de estrelas. Serás o cobridor do meu silêncio, Amor, foi este o seu relatório, austero, mas digno duma rainha das palavras difíceis, dos sentimentos escondidos e das carências amarguradas.

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