Quando Carlos Búzio viu
oiro a reluzir pela primeira vez estava a pensar em Licínia Cosme. Tudo
se passou a 50 metros
de profundidade e a sua cabeça parecia um tremor de terra. Carlos tinha trocado o tungsténio de Valpaços
porque lhe tinham dito que fazia mal aos amores não correspondidos e assim
optou pelo metal de todas as ilusões para tentar recuperar a esperança. Mas a
esperança só surge aos 100
metros . Pediu ao encarregado e desceu mais um pouco, demorou
uma semana até começar a entranhar aquele cheiro intenso que exala do subsolo
misterioso e que traz consigo um formigueiro que os mais optimistas comparam à
paixão amorosa. Logo na primeira noite Carlos sonhou com uma Licínia
sorridente, com um olhar de cobiça e uma pose de desafio. Acordou com os suores
da praxe e com o seu companheiro do lado a olhá-lo com espanto. Esse rezava, tinha ido procurar um Deus mais
disponível para o perdão nas catacumbas da tabela periódica. Até em Deus
podemos testar a incompreensão tal é a nossa debilidade. Ficaram os dois a
falar um bocado, por entre o silêncio das entranhas duma terra em digestão
lenta. Não podiam falar sobre o tempo e por isso acabaram por desfiar algumas
desconfianças do mundo como quem conta carneiros. Carlos tinha a cara encostada
à rocha fria, por vezes forçava a testa a provocá-la, até que o seu companheiro
brincou e perguntou-lhe se procurava algum corno a nascer; então Carlos abriu
os olhos e disse: felizes dos que são enganados. Tossiu, tossiu uma e outra
vez, como que a tosse o estivesse a recriminar por qualquer pecado de coração.
Tocou a sirene e salvou-o da penitência. Passaria o dia debruçado na
garimpagem, pensando se não teria sido
melhor ter ficado em Valpaços, onde os desamores pelo menos eram recompensados
com noites bem dormidas e sonhos de plástico.
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