O Depoimento [VI]


Inspector Álvaro Simões - Constou-me que a D. Viviane tem um envolvimento emocional com o escritor Salvador Alves Arinto que também era amigo íntimo da defunta D. Custódia...

Viviane Lopes - Bem...o Salvador é aquele tipo de homem de quem todas as mulheres gostam de ser emocionalmente íntimas...

A. S. - Uma espécie de confessor laico...

V. L. - É um homem perfeito de mais para ser desejado...é tão perfeito que temos medo de o estragar (ahahah)

A. S. - Não poderia haver alguma frustração nele pelo facto da Custódia não o...o..desejar?

V. L. - Ah, nada disso, ele ama-me é a mim! (ahaha) E eu também gosto dele, mas ele é incapaz de perceber isso... A Custódia tinha por ele uma amizade gira, e por ele correspondida, era uma relação curiosa, com muita brincadeira, com aquela coisa da inteligência emocional...aí não encontra nada, Inspector.

A. S. - Sinto que está a tentar protegê-lo... Porque é que ele não consegue perceber que a Viviane gosta dele!? Isso não é nada compatível com a tal perfeição!?

V. L. - Ele é arinto mas eu sou arisca, sabe, ou seja, a minha defesa é o ataque, eu não posso dar o flanco, tenho de o manter na dúvida, este tipo homens sem dúvidas tornam-se insuportáveis, galvanizam, exploram-nos emocionalmente, não me posso dar a esse luxo.

A.S. - Mas assim corre riscos de que ele desapareça...

V.L- - Eh lá...isto é um inquérito com consultório sentimental de bónus..Inspector, você é um caso sério (ahahah)

A. S. - Estou apenas a tentar perceber que tipo de relações andaram à volta da Custódia...vejo que era uma ambiente muito...muito rico neste aspecto.

V.L. - Sim, era, e é, tudo gente com os sentimentos muito à flor da pele, uns mais cínicos, outros mais generosos, uns mais histriónicos, outros mais discretos, mas, sabe, o coração dum único homem reflecte o mundo inteiro.

A. S. - Acredito, mas não consigo acompanhar o raciocínio. Continuemos com o Sr Salvador, ele tem-se mostrado relativamente distante durante os dias que se sucederam à morte de Custódia, tem alguma explicação para isto?

V. L. - Deve ser a reacção dele ao facto...não sei...nunca o tinha observado em circunstâncias semelhantes. Olhe, no dia do enterro convidei-o a ir a minha casa e ele não quis...Fui rejeitada Inspector, vê! Isto podia dar cabo duma mulher, devastá-la mesmo (ahaha)

A.S. - Sim, poderia, mas não devastou, como se vê... parece que até fortaleceu...

V.L. - Claro, sabe porquê? Porque eu gosto do Salvador e dalguma maneira estou dependente dele. O grande problema da Custódia é que viveu para ser independente, para se bastar a si própria e isso...olhe, isso acaba por matar.

A.S. - Parece lógico e leva-nos ao suicídio, mas eu não acredito nessa tese, sabe?

V. L. - Porquê?

A.S. - Pela razão mais simples: Custódia era medrosa e  além disso estava grávida.

V.L. - Aibéguiópardon! Grávida? Está a testar-me! Não brinque com isso...E quem era o pai?

A.S. - Já faltou mais para ter os resultados dos testes...tem algum palpite?

V.L. - Ainda estou zonza... só me disse isso agora? Quem é que sabe?

A.S. - Foi o Salvador que nos disse que suspeitava disso e foi confirmado na autópsia.

V.L. - E o Salvador é que lhe disse?! E anda tudo fechado em copas?

A.S. - Há sempre que aproveitar as capacidades dos homens perfeitos, sabem coisas que mais ninguém sabe.

Transcrição do depoimento de Viviane Lopes, recolhido pelo inspector Álvaro Simões, um mês depois da morte de Custódia Passos, e publicado no Boletim Mensal do Investigador

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