A Entrevista


M&F - Confirma que há muitos elementos autobiográficos na sua nova saga baseada na família Saraiva Dirceu?


Raimundo Múrcia - Não nego, mas tratam-se apenas de meros elementos instrumentais da trama que ajudam a dar-lhe mais consistência por estarem, por assim dizer, testados.


M&F - A cena em que o filho mais novo de Saraiva é confrontado com a morte da sua amante não está muito...condicionada pelo caso policial que o envolveu a si na morte de Custódia Passos?


R.M. - Nesse caso não, foi apenas uma construção ficcional que fazia todo o sentido, aquele crime misterioso é essencial para a compreensão da grande mudança na vida de Saraiva. Quando um pai e um filho amam a mesma mulher apenas a literatura consegue lidar decentemente com isso.


M&F - Purificação é um romance muito original, mas muito cruel para com a nossa civilização e para com as nossas conquistas à soit-disant barbárie, não acha?


R. M. - Repare, a liberdade é o conceito que mais vassalagem presta à ironia, o livro é também sobre isto...no final podemos ficar com aquela sensação de alívio, ou mesmo amor pelos nossos condicionamentos, pelas limitações da nossa condição.


M&F - É impossível não lhe perguntar algo sobre a sua vida privada...esta sucessão de acontecimentos...a morte de Custódia, - e o mistério que ela acarreta - o fim da relação com Simone (é o que consta, pelo menos) e a...curiosa rivalidade com Ernesto não podem estar a conduzi-lo a uma certa estupefacção ou mesmo revolta com a vida?


R. M. - Nunca exigi muito à vida, por isso sou escritor, senão tinha ido para pregador.


M&F - Mas não acha que há um certa vertigem na sua forma de viver...


R.M. - Sim, talvez, por vezes a vida para mim funciona como um pescoço à solta nas mãos de um jacobino...


M&F - É uma imagem curiosa que me leva inevitavelmente a perguntar-lhe qual a sua opinião sobre o estranho desaparecimento da pilinha de Flávio Cossaco depois da morte de Custódia Passos


R.M. - Julgo ser um clássico de Deus a escrever direito por linhas tortas, apesar de desconhecer a inclinação e o perfil da dita. (risos)


Extracto da Entrevista de Raimundo Múrcia, conduzida por Rebelo Mendes para o Mel & Fel, no Natal de 2014

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