Sinopses exemplares


Álvaro Gaspar apenas fora realmente feliz enquanto vendia automóveis em múltiplas mãos. O que ele se deliciara-se a fazer recuar conta quilómetros, a falar dumas pastilhas de travão trocadas à pressa como se dum turbo em folha se tratasse, e a disfarçar riscos de pintura com misturas químicas que fariam inveja a prémios nobel. Quantos romances de amor não tivera de escrever mentalmente para enfiar uma carrinha ao preço duma limusine, «oh se este banco de trás falasse», passara a ser uma das suas palavras de ordem quando as mudanças automáticas lhe vieram reduzir o efeito dos trocadilhos com as manetes. Não que aqueles tempos em que fundou a seita de adoradores de tubérculos não tivesse sido também recompensadora, mas ao ser esse o critério mais importante nada se teria assemelhado aqueles meses gloriosos em que manteve a coluna semanal sobre aplicações financeiras alternativas num jornal electrónico especializado em roupa íntima feminina. Chegou a ter mais cartas que o consultório sentimental, e as semanas que se seguiram ao seu artigo sobre o efeito dos desenhos das cuecas com joaninhas nos yields das obrigações a 25 anos de empresas petrolíferas trouxeram-lhe uma fama só comparável à de Mota Assunção, um cobridor de eslovacas que ajudou a fundar uma maternidade em Kosice sem o recurso aos fundos estruturais e que inventou a expressão: quem tudo qren tudo perde.

por Olegário Pinto, sobre 'Os Novos Charlatães', de Rebelo Mendes, edições Adamastor, 2013

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