Não deixou de ser simpático da parte da equipa editorial da
Fuligem terem-me convidado para apresentar este livro póstumo do Rui Filete,
mas eu sei que se ele ainda cá estivesse entre nós gostaria que fosse eu a apresentar
ao mundo este seu último livro. O Rui a partir de certa altura, como alguns
saberão, começou a intitular-se como Ensaísta. Quando a primeira pessoa lhe
perguntou por que raio se apresentava ele assim sendo um mero assentador de
tacos, ele respondeu ligeiro e sem hesitações que se assumia como um
especialista em saias. E
de facto era. Disse-me um dia que tinha percebido que as mulheres serviam um
pouco mais do que para fornicar depois de uma lhe ter enxugado uma lágrima com
uma bordinha da saia plissada e ele ter ficado imediatamente com uma espécie de
excitação mas em que a afluência vascular curiosamente se dirigia para o dedo
grande do pé. A erecção do dedão grande passou a ser uma espécie de tesão de
substituição que, entre outros efeitos práticos o obrigou a começar a ter de
usar dois números de sapato acima daquilo que seria recomendado a um excitado
normal. Poder-se-ia pensar que esta experiência duma testosterona criativa
ficava por aqui, escondida no meio das suas frustrações e demais miudezas, mas
não. Dada a sua profissão Rui passava muito tempo rente ao chão e tinha ocasião
de apreciar de forma mais ou menos contemplativa as pernas e zonas adjacentes
das suas freguesas. As saias começaram a apresentar-se-lhe como uma espécie de
ícone ao qual ele não mais enjeitaria devoção e ilusão. Este livro é uma
história possível, uma das dele, desta
devoção secreta, e dos seus efeitos tanto no dedão grande como noutro órgão
pendular que intermitentemente também se associava ao devoto espasmo apontando
tão desesperada como orgulhosamente para
os lambrins. Não resisto a citar já esta passagem em que o Rui reflecte sobre o
efeito ensaístico de uma morena de nariz afilado e saia azul ganga: «levei três
horas a assentar 5 metros
de rodapé pois cada vez que precisava de fazer o movimento de aparafusar uma
ripa ela aparecia a oferecer-me uns bolinhos de côco que religiosamente me
entregava baixando-se em movimento de afrodite de museu com a sua saia azul de
beata a fazer de andor esvoaçante. Nesse momento a aparafusadora bloqueava, o
meu dedão arroxeava e eu ficava com uma dor na zona inguinal que tentava
disfarçar enfiando o bolo duma só vez na boca, dando-lhe a deixa para um
inevitável, «veja lá não se engasgue, Rui», ora eu, que naquele momento já não
tinha nenhuma canalização livre de tormento e rezava para que o côco descesse
rápido e forçasse os ácidos do estômago a tomar conta de todo o regimento
interno, já estava dominado pelo feitiço da sua saia que me corrompia o
pensamento que nem uma anestesia cruzada de nandrolona de ciclista. Era uma
saia que alargava de repente, justa apenas até onde devia estar justa e depois
abrindo-se numa generosa flutuação que faria o tapete de aladino parecer uma
tábua de engomar». O Rui foi um escritor de sensações, e descrevia-as como um turista
descreve um pôr do sol, ou uma bicha na bilheteira do Louvre. Este é um livro
de saias de passagem. Nenhuma o fixou, hoje sabemos, morreu só, talvez a sonhar
com um bainha ligeiramente descosida, sobre a qual ele por certo ainda terá
tempo de ensaiar junto de alguma estrela plissada.
Excerto da apresentação do livro No Tempo em que os Pirilaus
falavam , de Rui Filete, para as edições Fuligem, de 2013, por Gaspar Monteiro.
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