Giacomo Ponti cansara-se de ser exigente e decidiu abolir da
sua vida todas os comportamentos que envolvessem um mínimo de insatisfação,
inconformismo ou intolerância. Queimou para sempre o desejo e passou a estar ao
serviço da compreensão total, da resignação, numa espécie de amor desinteressado pelo
estado geral das coisas, num situacionismo estético, moral, emocional, um desalternativismo.
De tal forma se entranhou no seu espírito esse ideal de stay where you are que
Ponti começou a encontrar raros momentos de consolação e mesmo completude naquilo
que antes seria encarado como adversidade ou motivo das mais variadas sortes de
reacção e revolta. Comia o que houvesse para comer, dava prioridade tanto ao
que viesse da esquerda como da direita, via os filmes que estivessem a rodar,
punha os cachecóis que estivessem mais a jeito, aceitava recusas, indiferenças,
negligências, difamações e insinuações com a mesma calma com que sorvia água
simples quando a tinha pedido com gás. Para além disso observava a satisfação e
o sucesso alheio com a tranquilidade dum panda de cativeiro, não esboçando a
mais pequena repulsa por caprichos alheios quer fossem insolentes ou apenas
frívolos, contentando-se apenas com o seu pequeno bambu. Transformara-se até num
burocrata de emoções, um amanuense de prazeres, um fazedor de disponibilidades.
Queriam-no tântrico, tântrico seria, queriam-no rápido, explosivo seria, queriam
preliminarioso, encheria a alcova de infindáveis festinhas e sussurros, se
apalhaçado era o capricho, não haveria nariz mais encarnado que o dele,
pediam-lhe humor inteligente, até se engasgariam de inteligência de tanto rir, se
lhe exigissem ginástica faria de espaldar, se fantasioso era o desejo, então em cada
recanto do seu corpo estaria o senhor dos anéis, quisessem algemas e até forneceria o chicote. Seria como quisessem que
fosse, Giacomo Ponti vivia para tolerar, accepit, fiat, não gastaria energias
nem latim a procurar ou discutir alternativas, respirava viabilidade. Depois de dois anos nessa vida
resolveu teorizar num pequeno e inesperado opúsculo: «O que desaparece é», que acabou por
marcar uma curiosa viragem no seu inicial desalternativismo; já não lhe bastava
a mera tolerância com o que o rodeava, a simples aceitação como estatuto, agora queria sentir-se como que já não
fazendo parte, queria o descomprometimento como virtude máxima, não lhe chegava
o por mim tudo bem, queria alcançar o por mim faz como se eu não existisse. Era
a exegese do desalinhamento absoluto, a elegia da ausência da vontade, um novo
bom selvagem mas com cuecas e peúgas. Queria mais, queria agora ser enganado, trocado, posto de
lado, esquecido, queria viver nas bordas do prato, nada ter a ver com; queria
uma acusação eterna por falta de provas, melhor, por falta de crimes.
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