cinzas à quarta


Ser filho da puta já não é o que era. O tema do insulto já foi tratado por especialistas (Javier Marías, por exemplo, tem dois razoáveis artigos sobre o tema) mas julgo que deverá ser continuamente acompanhado. Como regra geral podemos dizer que o insulto depende mais do contexto que do conteúdo, e como regra particular podemos dizer que ele revela mais sobre o emissor do que sobre o destinatário; como regra entre as duas posso também acrescentar para vosso proveito que a qualidade do insulto é uma fórmula que resulta da soma do inverso da raiz quadrada do alívio que provoca com a tripla potência do remorso que induz. Assim sendo, e considerando que a realidade necessita frequentemente de quem lhe ponha o dedinho na extremidade do colón com precisão e na cadência e rotação certa, julgo ser meu dever alertar toda a comunidade sobre a necessidade de aproveitar as reformas estruturais, ortográficas, mapas judiciários e outros, para acertar o relógio e o higrómetro do impropério nacional. Se assumirmos que o ataque às dívidas soberanas é o elemento chave da crise europeia há que revalorizar uma adaptação do hoje inexpressivo 'cona da tua tia', para um novo 'nos entrefolhos do teu parlamento' que, se repararem, imprime uma dinâmica mais coloquial ao insulto e em paralelo coloca um foco institucional e legalista no discurso, não o deixando sob a alçada dos laços familiares, mais atreitos à corrupção e outros favores ilícitos. A substituição dum vulgar, e inofensivo, 'brochista de merda' por um bem mais apelativo para os mercados 'chupa-me aqui um spread' parece-me então ser de elementar bom senso, e creio que tornaria qualquer agente phinanceiro bastante mais sensível a baixar as calças nas taxa de juro quando não engasgar-se mesmo durante o período de carência. Como também me parece óbvio, um "Coça-m'o default' é mais eficaz nos dias que correm do que o banalizado 'vai-te foder', quanto mais não seja porque estar fodido passou a fazer tão parte da nossa somatologia como o pingo no nariz. Penso, finalmente, ( a palavra chave aqui é o finalmente) que se o cidadão normal vive num estado de dependência total de um refogado de mercados, parlamentos, ministros, instituições, grupos de média e conglomerados de enchido, e se já passámos a fase em que fomos apenas números (que saudades de ser número) e somos agora imparidades, devemos, em substituição do 'merda para isto tudo', responder ao mundo: especula-me que eu gosto.

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