De forma algo sonsa os crentes tendem (tendemos) a abordar a
dúvida com métodos evasivos se bem que, a espaços, até criativos. Ora usamos a
via poética, atolentinando os mistérios da criação com uma patine viscosa
derivada da banhoca literária, ora serpenteamos o tema pela via do determinismo
psicológico, ora despachamos a questão com um quessefodismo de ocasião, o
grande amigo da consciência em particular e das entranhas em geral, diga-se.
Assiste-se assim por regra a uma arrumação em cabide ou gavetão, consoante o
tamanho e corte, que, com a aparência de humildade cristã, mais não passa que dum grosseiro
e inevitável arquivo temporário.
Há pois lições importantes a retirar das diversas
manifestações de ateísmo mais ou menos recreativo. De primeiro temos a
considerar que há espaço para um momentum ateista na nossa vida, ou seja, nós
precisamos de conseguir negar a existência de Deus nem que seja esporadicamente,
pensar que tudo isto não passa dum broche de bactérias com fungos e, mais gás
menos gás, pouco mais somos que resíduos dum peido primordial, que se foi
sofisticando à base de selecções naturais de átomos, esperma, adn's e viço da guelra, qual
a banca de peixe dum supermercado. Esta consideração de pendor científico na qual
nos devemos embrenhar de tempos a tempos permitir-nos-á colocar a nossa fé em
sentido e exigir-lhe muito respeitinho pela natureza sublime que transportamos.
A experiência ateia vai revelar-nos finalmente a beleza duma existência sem
sentido, uma conice sem cona, uma vida como fruição, acidente ou mera
paneleirice cósmica e, de caminho, saberemos encarar os outros como eles
merecem: num dia obstáculos, noutro trampolins. Esta riqueza que o ateísmo nos
concede, ainda por acréscimo sabendo-a baseada num cozinhado elaborado de
argumentos e desprezo por convicções alienantes, encherá a nossa alma duma
mistura de orgulho e solidez que mais tarde nos fará abordar a dúvida como
sendo apenas uma representação mais elaborada da verdadeira mensagem shakespeareana:
quando não sabemos foder até os colhões atrapalham.
Fortalecido pela dinâmica ateia, o crente olhará para Deus
de peitinho feito e perguntar-Lhe-á se quando foi daquela cena do Genesis Ele
não terá pensado que o povo poderia não ir em esquemas e grupos e algum dia
toparia que tudo não passava da imaginação manipuladora de uns quantos, naquela
onda perichurchiliana de que nunca tantos foram enganados por tão poucos. Ao
que Deus responderá: olha lá, ó meu filho badameco, mas tu julgas que estás a
falar com quem? E assim, mais filho pródigo, menos filho pródigo, volta tudo ao
princípio.
Por outro lado o ateísmo tem imensas potencialidades para a
vida de piedade. A descrença em Seres Superiores e Transcendentes produz boas
rotinas de envolvimento psíquico com badalhoquices mentais de substituição. Não
falo de sexo, de forma alguma, nisso o ateísmo só traz prejuízo, pois como
sabemos o pecado é um elemento catalizador, e o catolicismo de alta competição
é fortemente afrodisíaco, mas quero referir-me a picuinhices como a exigência
exasperante de provas, a fuga da contingência no comboio da probabilidade, ou a
punheta lógica, que mais não é do que exigir a dedução das aftas à observação
da cor do olho do cu. Depois de exercitar estes mecanismos próprios do
intelecto ateu, o crente correrá desesperadamente para o genuflexório, qualquer
jaculatória pirosa lhe saberá a Salvé Regina, e verá uma azinheira em cada candeeiro
de rua mesmo sem o auxilio da uva espremida e fermentada.
Por último, uma das grandes mais valias escondidas do
ateísmo é a sua milagrosa (perdoe-se-me o oxímoro) incorporação da verdade como
fenómeno. Ao condescender com um real que generosamente se manifesta, o ateísmo
dá à revelação um estatuto de primeira ordem nos cabeçalhos da vida
experimental. O crente ao se envolver directamente com a superstição ateia
acabará por assimilar um amor à criação
que lhe estaria vedado se usasse apenas o mecanismo espiritualizoide, que
muitas vezes lhe põe a pobre cabecinha à razão de transubstanciações e
trindades pirotécnicas. O tal momentum ateu, já acima referido, que numa
primeira fase afasta Deus do real que nem uma sena de paus come um ás de copas
quando circunstancialmente é trunfo, permite afinal que a alma posteriormente O
reconheça quando o baralho muda de mãos, e exclame com fervor, reconhecendo a generosidade fenomenológica: afinal está tudo
nas cartas.
2 comentários:
Comentário da Drª Girassol, aqui trazido por mão alheia:
"Valha-me a Santíssima Trindade! Então não é que o aj teve um Pentecostes antecipado sob a forma de epifania multilingue badalhocóscatológica?!?"
A responsabilidade é do Botton
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