O Ardor nos Tempos de Cólica

Leonel estava já reformado da Associação de Socorros Mútuos dos Vendedores de Bolo Rei de Loulé quando decidiu dar uma utilização mais criativa e colorida à sua reduzida reforma. Os tempos eram difíceis, já não se arranjavam amantes apenas à base de paleio e muito menos a debicar dom rodrigos depois de passeios à beira-mar, e havia que fazer muita ginástica com a sua parca pensão para alimentar os desejos mais ou menos íntimos de uma amante que fosse minimamente apresentável e que dignificasse um viúvo em fase de retoma hormonal. Sendo o seu primo dono dum pronto a vestir em Faro o problema da ornamentação têxtil parecia mais ou menos resolvido, mas o trinómio jantar-dançar-cama exigia um concentrado de despesas que fazia a sua pensão gemer ao fim de três sessões de troca de fluidos in-shore. Rapidamente teve de riscar as representantes de faixas etárias mais apelativas, estimulantes e exigentes, e pura e simplesmente esquecer em definitivo as deliciosas senhoras que tivessem plásticas em fase activa de project finance. Assim, enquanto a população em geral sofria de espasmos com os saldos bancários para preencher as boquinhas famintas das suas proles, Leonel ardia de desejos carnais e sentimentais por satisfazer. Face à forte discriminação de preços entre jantares e almoços Leonel teve de começar a optar por concentrar os seus contactos erofílicos nos almoços executivos, só que, face às maiores exigências de timming da sua digestão, quando se mostrava capaz de fazer uso das suas capacidades de propiciar consolo e êxtase já era quase hora dos telejornais; para além disso parecia ter a pila directamente ligada à pensão de reforma, numa causalidade confrangedora e não raras vezes a cópula foi acompanhada de visões com a sua falecida a acenar-lhe com o extracto bancário libertando cifrões por todo o seu cerebelo. Chegava a casa extenuado, cheirando a um misto de sexo e naftalina e adormecia a ouvir o troika-troika dos noticiários. Contudo, amaldiçoar a miséria da sua pensão e praguejar as sucessivas mudas de decoração com que a falecida tinha absorvido as poupanças, de forma alguma criava um clima de estabilidade nos seus recursos de sedução e, assim, Leonelão concentrava heroicamente os seus esforços em aproveitar o melhor possível as franjas já desfiadas da sua pensão e nunca por nunca deixar transparecer a terceiras que daí vinha qualquer sinal que fosse de travagem ou mera desaceleração nos seus argumentos de homem experimentado, sabedor, conselheiro e camarada fodilhão. Uma ou outra vez quase se deixou atraiçoar com desabafos do género querida achas mesmo que é preciso esse modelo de cuequinha com tantos rendilhados, querida em minha casa os edredons são dos mais fofinhos, ou mesmo querida então ele há pastelarias também tão jeitosas, mas acabou por saber virar a ansiedade que lhe acometiam as faltas de zeros nas transferências da caixa geral de aposentações no sentido de aparentarem ser meras apreciações estéticas ou até bucólicas. Com a sua pensão continuamente em stress test, Leonel, já nas mãos da previdência, colocou-se também nas da providência para poder coroar a sua ardente masculinidade em cada donzela que se perdesse nos seus braços e apêndices colaterais, como ela fosse uma espécie de complemento de reforma, um fundo de capitalização que ainda estivesse abrigado da permanente pré peritonite do estrangulado orçamento de estado. Há todo um modelo de sociedade que se joga nos pendentes dum reformado.

2 comentários:

io disse...

Ora aqui está o que eu chamo de um título enganador. Vem uma gajinha à procura de uma desbundinha de realismo mágico e sai-lhe uma desbundinha llosiana, com uns rebites queirosianos. E isto, meu pastor, para a moça de serviço que te escrev, são só elogios.
E agora as perguntas que não se querem calar: Decorará a pindérica da Maria ou encomendará tudo à Conceição Vaz Costa e daí que ela mal dê para as despesas?
E ele? Aforroará, com caderneta, sonhando com os pendentes pós decesso da legítima ou limitar-se-á a esperar que as boas acções dos amigos fiquem como o psi 20 em dias soalheiros, ali ao km 30 do IC19, ou seja, em alta?

aj disse...

Sinto-me queillosamente arrebitado com este comentário e, se bem que longe de mim calar as tuas perguntas, posso dizer-te, segundo apurei, que a fenecida decorava tudo na base do tecido inglês: muita caça, muito galgo, muito cavalo, e ele, que já ia na segunda caderneta esvaziada, tinha espatifado os ultimos dividendos da PT com uma enfermeira usbeque de cascais.