Depois da banalização do mal, do bem, e do assim-assim, depois da banalização das uniões e das desuniões de facto, de direito, de uso e de costume, depois da banalização do sexo, da dívida, da democracia e do pacheco pereira, depois da banalização dos blogs, das bonecas insufláveis e dos campos de 18 buracos, resta para celebrar apenas a menopausa. Juliana Ester da Costa detectou a oportunidade, vendeu a sua parte numa empresa de fabrico e distribuição de scones ao domicílio e dedicou-se a organizar festas de despedida da fertilidade. Mulheres que finalmente se viam livres desse encargo ontológico de parir face à incursão selectiva dos espermatozóides mais inteligentes e atrevidos, mulheres que finalmente se viam a entrar em fase de útero decorativo, eram o mercado alvo de Ester. A sua primeira cliente foi Helena Gusmão que dera cumprimento ao mandato bíblico por 4 honrosas vezes acrescidas de 2 falsos alarmes e um desmancho precoce originado pelo ataque fulminante dumas salmonelas marroquinas. Fora senhora de concupiscência racionalmente dirigida e nem sequer ao vizinho de baixo, um advogado especializado em direitos de autor e possuidor de fraseados com fortes poderes persuasivos, tinha propiciado uma tão ansiada comunhão copulativa & alternativa. Despedia-se assim duma fertilidade socialmente agraciada, psicologicamente tricotada e afectivamente compensadora. Estiveram presentes oito das suas melhores amigas, três ajudantes de farmácia, uma ginecologista, duas floristas e um especialista de arte ecográfica. Foi rotulada para o ocasião a edição especial dum branco frutado da Bacalhoa, e de presente recebeu um jogo de lençóis franjeados com um aproveitamento imaginativo do bordado do seu vestido da primeira comunhão, ideia da sua prima Guida que acabou por não poder estar presente por motivos inflamatórios mas impróprios para a descrição estética. Ester, ciente da importância do seu primeiro evento comercial de despedida-de-fertilidade, decidiu, por sua conta, enriquecer a festa com um grupo de musculados cuspidores de fogo da Nicarágua. Um sucesso: quatro bebedeiras medicamente confirmadas, dois momentos de carinho de índole lésbica, um jarro de tílias embebidas em pisang ambom e a revelação entusiástica de um teste de gravidez positivo numa das suas amigas ainda em idade parível. Juliana Ester sentiu-se confiante depois da estreia e avançou destemida no negócio. Antes de terminar um ano de actividade já tinha ajudado a despedirem-se da era-da-fertilidade quatro executivas do sector da cosmética e cinco da higiene íntima, duas editoras-chefe, uma escritora de roteiros para revistas de viagens, uma pintora de azulejos, três professoras de francês, uma veterinária e duas críticas literárias. Pode dizer-se sem exageros que ajudava a franquear a menopausa das mulheres propiciando-lhes um sereno e gozoso adeus à ovulação.
Rita Coutinho passara pelos seus primeiros afrontamentos com uma irritação comedida, e dissera de si para os seus estrógenos: meus filhos, ide-vos foder. E telefonou de seguida para Juliana. Foi num ápice que combinaram tudo: uma entrada faustosa pela menopausa adentro; queria deixar a fertilidade como um toiro que se afasta gloriosamente da arena deixando todos a sentirem-se uns rabejadores precoces. Juliana, com orçamento praticamente ilimitado, iria transformar essa festa retumbante numas inolvidáveis Ovaríadas do Desassossego. Rita convidou todas as amigas com quem tinha, durante o seu Período Fecundolítico, confidenciado angústias e esperanças, dilatações e estreitamentos, lubrificações e securas, exigindo-lhes um dress code que incluísse uma máscara alusiva à fertilidade e, sem quaisquer preocupações com a comparticipação financeira estatal, tudo estaria por conta dela, a nova deusa da menopausa, uma Menstrua Sagrada. Como num regresso às ancestrais manifestações dos valores e mistérios antropológicos mais básicos antevia-se a inauguração dum ritual que deixaria as tribos de todo o mundo encolhidas de vergonha e espanto. Luísa Passarinho, a sua grande companheira de rambóias universitárias, foi a primeira a chegar e vinha mascarada de espermatozóide com duas caudas. Perante a estranheza que provocou, explicou: é aquela coisa do eros e do tanatos, vem logo no fluxo ejaculatório: a virilidade é sempre um pau de dois bicos. Estava dado o mote. Não foi pois de estranhar que aparecesse um pouco de tudo, desde pílulas em veludo e cetim a deusas mamalhudas, desde vaginas gigantes a afrodites com lencinho no cabelo e espanador do pó na mão, revelando que a iconografia da fertilidade feminina é um mundo tão rico e surpreendente quanto as finanças da pérola do atlântico.
Ester tinha conseguido com a festa de Ritinha Coutinho elevar o seu conceito de festa-da-menopausa a um estatuto de quebra-mitos, desafiando convenções e alargando o grande horizonte das leis do condicionamento hormonal para lá do bojador ovárico. Chamavam-lhe agora a Mary Quant Uterina, inaugurando uma nova geração de deusas pós-Cibelianas e renovando todo o ideal feminista, transformado agora na nova trompa de falópio da humanidade: a libertação do espartilho hormonal da mulher representava a união da natureza com a espiritualidade. E assim Juliana foi criando à sua volta não só um empreendimento comercial sólido como também uma sólida ideologia de pós-fecundidade, tornando-se numa espécie de Ferran Adrià das hormonas, abordando cada cliente menopáusica como quem confecciona um bouquet místico de joie de vivre com raminhos de gloriosa emancipação: la nouvelle menstruine.
4 comentários:
Bem vindo! Sr. Asterisco :). Muito divertido. Não fosse os problemas abdominais que atravesso agora (nada menopausicos e mais renais), seguro que a gargalhada seria forçosamente mais sonora. Volte sempre!
P.S. Não leve a mal pf a denominação estatutária de 'Asterisco'. Entretenho-me agora a converter os melhores prosadores em sinais gráficos. E olhe que 'Asterisco' é do melhor!!! na grelha inventada por mim, claro ...
o meu sonho era mesmo estar numa grelha. desde q não se transforme em churrasco.
Meu muito querido amigo, muito obrigada por mais esta lição de joi de vivre! Sinto, no entanto, a falta da cronologia ah ah ah ;)
Minha não menos querida amiga, já diz a sabedoria popular: vais vale prevenir que remediar :)
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