sete vezes nove não é igual a nove vezes sete

1. Quando G. se despediu de F. fê-lo duma forma displicente,  sem carinhos ambíguos nem frases de charneira, foi um adeus de currículo, uma coisa para ficar. F. enterrou essa despedida num canto do seu jardim das rejeições estúpidas, um canto onde nem os cães mijavam descansados, mas onde as chuvas ensopavam, nunca deixando lugar para a merda secar. O clássico cada um foi à sua vida prega partidas várias e naquele caso estava de serviço um destino dos que espreita sem se fazer notar. O Grande Pêndulo parecia perro e quando voltou bateu com estrondo. G. e F. gaguejaram com as suas primeiras investidas, ambos se explicavam e nada parecia ter explicação. O novelo foi-se desfiando aos poucos, cada borboto no encalço do seguinte, mas experimentando palavras antes caladas no segredo do preconceito, e na dúvida que transporta sempre o excesso de certeza. Os sentimentos mais banais pareciam bombas voadoras apanhando o balanço do Grande Pêndulo. Conseguiram fazer duas ou três paragens do tempo. É fácil fazer parar o tempo, mas exige que apenas se pestaneje nos segundos ímpares. G. era uma mulher talhada para ser única, saída dum fôlego inspirado. Uma mulher de agarrar. Mas não se pode pestanejar e F. baralhara-se na conta dos segundos. O problema dos regressos é como lidar com as partidas. Elas ficam arquivadas em que sótão? O problemas das luzes são as sombras. Onde se arquivam as sombras? Poderá uma sombra substituir a luz? Tiveram de deixar algumas perguntas no grande limbo da dor a caminho dos vários purganários da esperança. Quando cada um olhava para dentro de si via o outro. As melhores provas são as que vivem coladas à pele, como parasitas. Até a alma fica com inveja delas. Não há nada mais invejoso que uma alma alerta. Não há amor sem provas mas não há provas sem amor, concluíram.

2. G. pegara na mão dele e cartografara-lhe a personalidade. F. sabia que tinha entregue a mão para sempre. Num primeiro instante não percebeu o que tinha ido atrás da mão. Aos poucos foi percebendo. Tinha ido tudo. Saberia G. que lhe tinha ficado com tudo. Ninguém tem tudo de ninguém, diz o bem senso. E o mau senso também diz o mesmo. Como discernir, naquele caso. Pelos efeitos chegamos às causas. E quem se intromete no caminho entre as causas e os efeitos merece o desterro para os abismos da sorte. Tinha ido tudo.

3. F. beijara-a a primeira vez numa ladeira ao pé de sua casa, fora um beijo pensado como todos os beijos são pensados senão os lábios secam e G. arregalara os olhos de tal forma que F. ainda hoje não sabe o que isso significou, mas não consegue perguntar pois não se devem sobrepor perguntas umas às outras e há tantas outras por fazer mesmo sabendo-se que em cada pergunta por fazer há um menino que chora no outro lado do mundo. Mesmo assim.

4. G. dizia que não se ajeitava a exprimir sentimentos. F. dizia que era tão bom nisso que chegava a exprimir antes de sentir. Riam-se com aquele prazer que produz o riso descomprometido. Aliás, tinham-se comprometido a ser descomprometidos o que ainda dava mais vontade de rir. Mesmo quando arrufavam sabiam que acabariam a rir-se. Um dia choraram. Mas foi só um dia e nada comprometeram com isso.

5. F. conhecia bem G. G. conhecia bem F. Afiança-vos um narrador imparcial. Muito conhecimento mútuo gera confiança. Muita confiança gera segurança. Muita segurança gera tranquilidade. Muita tranquilidade não gera porra nenhuma. Afianço agora que não se conheciam assim tão bem.

6. G. um dia disse finalmente que o amava. F. estava sentado, felizmente. Inclinou a cabeça para trás e deu para os céus aquele sinal que, sob qualquer zodíaco, significa: foda-se até que enfim. Os céus não reagiram, certamente já saberiam, ou então simplesmente não queriam que ele se enchesse de entusiasmos. Um homem lida melhor com a rejeição do que com a correspondência. A correspondência é uma espécie de paz não anunciada, um armistício sem escaramuça. F. ficou tão feliz que ainda hoje pisca o olho à lua cheia. Às vezes até nem se aguenta e vai logo no quarto crescente.

7. Casaram numa igreja vazia. Só eles os dois, e a água benta descansando na pia; nenhum luxo faraónico, e  cada um testemunha do outro, no maior rigor canónico. Só ele sabia que estavam a casar, G. apenas sentiu que era um momento ou de sorte ou de azar, um solene e especial momento; hoje discutem se houve consentimento, chamam-se amor, príncipe e princesa, querido, flor, sim, parece ter sido consentido, e sem ponta de relaxe;  treinam as ternuras da praxe, em várias línguas, sabendo que umas são mais doces e outras mais afoitas e, claro, já tiveram de se esconder atrás das moitas. Treinaram todos os tipos de beijos: os audazes para demonstrar força na adversidade, os fugazes para provar bom aproveitamento do tempo, deram-nos bem cobertos e ao relento, mas sempre de olhos abertos. Minto, também com eles fechados, a sussurrar ténues obscenidades, como quem trafica mentiras ao preço de verdades. Chegam a dizer que mantêm a frescura do primeiro dia, aquele em que os olhares se cruzaram, os vasos timidamente se dilataram, e as prudências mais alto falaram. Se um tesouro de diamantes incrustado, muita falta lhes fazia, têm-no, bem guardado, pois possuem um, só deles, primeiro dia.

4 comentários:

Anónimo disse...

Do fundo do baú, com restyling:

http://www.youtube.com/watch?v=4JJCRDlux28

C. (moi même)

aj disse...

ehehe, five stars :)

Anónimo disse...

Sabe que fico particularmente descansada, tranquila mesmo, que 'sete vezes nove não é igual a nove vezes sete '. Ufa! que alívio. É que ainda não percebi muito, muito, muito bem a história de 1+1 nem sempre é = 2. Muita ginástica neuronal tenho feito ... mas sem resultados, como sempre ...

Anónimo disse...

1+1 pode ser igual a 1 :)

C. (moi même)