MnhEC

[desmaker corner]

Miguel Esteves Cardoso escreve há uns tempos no Público sobre as miudezas da sua vida, a chamada vidinha. Mas, infelizmente, - do que acompanho, há sempre esta ressalva técnica - não conseguiu descolar da figura que fazem aqueles jogadores de futebol que tiveram carreiras de sucesso baseadas na sua grande velocidade (geralmente pelos flancos) e que, depois, sem essa muleta da velocidade, tentam adaptar o seu jogo às novas circunstâncias, com novas fintas e outras posições no campo, uma espécie de futre a experimentar a posição de beckenbauer. Man, vai por mim, não deu, não dá.

Tens de perceber, pá, nós fizemos aquele esforço atento para ver o que ias conseguir, do género: «vá, pode ser que ele dê o tal golpe de asa, (como talvez Tolstoi também conseguisse fazer anedotas de alentejanos, ou Pavese conseguisse também largar uma ou outra piada sobre pívias de elefantes) ele talvez consiga descer ao sentimento-do-dia-a-dia e dar-lhe um pinote para cima, pô-lo no parnaso daquelas merdas que fazem comichão onde menos se espera e nos ficam a gargarejar da goela ao fígado». Mas fazer do prosaico o que mais ou menos facilmente se faz do caricato, do horrível, ou do estranho, é o 13ª trabalho de Hércules, e então fazer 'do nosso' o que se consegue fazer com brilhantismo com 'o dos outros', ou com 'o da malta toda' é algo que estará ao alcance de muito poucos.

O sentimento banal, o sentimento da maralha, o que fode sem foder, a solidão parva, a companhia estúpida, o cheiro que incomoda, um hemograma estragado, a traição desnecessária, a dor nas costas, a alegria que é apenas alegria, a vaidade inconsequente, o alívio da mijinha a sair, isso é o que mais foge a quem quer escrever em regime de auto-caravana-com-montra, e é isso que pode matar ou salvar quem ambiciona ser diarista sem rede. Não estás a conseguir. Não conseguiste sair daquela teia que monta a mera agudeza de espírito, e quando esfregaste outra vez na lamparina o génio pôs-te a língua de fora. A vidinha é muito traiçoeira quando queremos fazer dela a estrela da companhia.

Ontem, quando MEC escreveu, a tentar tocar-nos na glândula, «esperar não é necessariamente ficar à espera - é viver enquanto não acontece uma coisa que , afinal, queremos menos do que viver apenas» ficou precisamente a meio do caminho de exprimir (e comover-nos realmente) que o 'esperar-com' é o toque de Midas que Deus nos deu para transformar o tempo em ouro.

4 comentários:

mm disse...

A Drª Girassol pede para lhe dizer que no seu tempo de menina e moça se dizia que uma das maiores virtudes do amor é saber esperar; já na idade dela, e por causa dos atrasos sistemáticos do Dr. Silva, vê a 'espera' como um paradoxo (hoje deu-lhe para as palavras caras) porque quando espera ou se mexe ou se cansa :)

blanche disse...

Hats off to the my favorite opiniondesmaker :)

aj disse...

mm, então afinal é 'quem espera sempre se cansa' :)

aj disse...

blanche,

com tamanho elogio

fico mesmo sem pio,

qual ovelha a quem lhe afagam a lã

logo pelo domingo de manhã :)