Dêem-me um cérebro novo que eu trato disto

Português que não ache que Portugal é uma merda nem merece ser português. Esta condição junta-se àquela, do mesmo calibre ao nível do sine qua non, de que português que não ache que Portugal é o melhor do mundo não merece nem um pôrzinho de sol enevoado na serra da arrábida. Ou seja, nós somos ao mesmo tempo o que quer que seja e o seu contrário, subvertendo todas as leis do aristotélico universo que parece ter sido criado sem tomar em consideração a abertura de espírito que emana da portugalidade que, assim, se vê obrigada a ter de concentrar em si todo o tipo de sentimentos sobre todo o tipo de fenómenos, no fundo, estar fodido e foder tudo na mesma acopulagem; valha-me Deus.
Penso assim que a alma portuguesa deverá ter direito a um tratamento especial quando chegar o momento do Juízo Final. O Juízo final, percebe-se, é um tema candente da minha riquíssima interioridade que, por experiência experimentada na própria experiência que experimentei, vos regista que com um português nunca se sabe bem se ele está a usar um livro de instruções se um livro de reclamações, o que o torna um cliente de juízos finais muito difícil de avaliar e consequentemente de encaminhar para a respectiva e correspondente zona purgatória. E tudo isto porquê? Pois não faço a mínima ideia; ai está outra característica que elimina toda e qualquer possibilidade de encontrar inclinação para o mal no português: não nos interessa o sentido das coisas; para nós, a maldade é uma mera maldade estética, pois serve apenas para tentar aparentar competência dado que bondade é trouxa e a indiferença é obra do diabo. Inclusivamente, o rancor nacional é apenas uma espécie de acidez que se torna indispensável para disfarçar o nível de extraordinária afabilidade que colocamos naturalmente nos nossos actos, que só não concorrem com os dos apóstolos porque, lá está, isso é pós tolos e nós de tolos não temos nada, espertos que nem uns ratos, independentemente de os ratos serem burros que nem um calhau - as analogias sempre foram uma especialidade nacional - senão não aceitavam entrar à borla naqueles testes dos psicólogos e mandavam-nos brincar só com pombinhos. E isto tudo porquê? Repito, não sei, almocei cozido, vendo bem almoço quase sempre cozido às quintas, aliás é sempre assim que sei que amanhã é sexta, nós, os portugueses, damos sempre muita importância aos pequenos sinais; sem contar os de trânsito; sic transit gloria mundi, queria eu dizer.

2 comentários:

blanche disse...

Si te conoces demasiado a ti mismo, dejarás de saludarte.

Ramón Gómez de la Serna, "Greguerías"

aj disse...

certeiro mas um poucachinho a resvalar para o literariamente correcto;

'Conhecermo-nos demasiado' é como coçarmo-nos demasiado: deixa ferida. Uns conseguem manter o respeito por si próprios, outros tapam-se com ligaduras.