Na cama com o Estado

[1] A libertinização do casamento civil está para a organização da sociedade como a desregulamentação dos fundos de investimento esteve para os mercados financeiros: falta apenas saber quem irá fazer de madoff, de subprime e de colateral. Desde que fora da alçada da supérflua supervisão do Banco de Portugal, julgo que o casamento civil deveria passar para a vigilância duma alta autoridade reguladora dos costumes e boas práticas antropológicas, (juntamente com o uso dos galheteiros e a protecção da arriba fóssil, por exemplo) para se evitar uma futura nacionalização apressada, da qual resultaria, nefastamente, um dia todos ficarmos casados com o Estado, num grande e pangâmico casamento comum.

[2] A sociedade precisa de mais tabus. Só o tabu nos consegue focar em coisas que podem realmente absorver – aliviando - energias negativas. O tabu é em bastantes casos preferível à paranóia, em primeiro lugar porque não dá tanto cabo do estômago, e depois porque dá azo ao desenvolvimento da ilusão e do mistério, que são, como sabemos, a par do teorema de Pitágoras e do hemorroidal a sangrar, os grandes motores do desenvolvimento humano. O clássico casamento heterossexual julgo que poderia perfeitamente ficar como um dos nossos tabus oficiais de estimação.

[3] Também aprecio bastante o chamado ‘poder do simbólico’. Julgo que deveríamos mesmo incluir nos contratos esse tipo de pagamento: em singelo, em espécie, ou em simbólico. Eu, por exemplo, preferiria pagar sempre em simbólico porque me dá mais jeito. Melhor que o simbólico vejo apenas o recalcado ainda em banho-maria. Proponho pois que haja legislação específica para a delimitação jurídica dos conceitos de ‘simbólico’, ‘recalcado’, ‘complexo’, ‘inclinação’, ‘orientação’ e ‘paneleirice’, a fim de evitar o aparecimento de isabeles moreiras sem qualquer regulamentação.

[4] A melhor técnica de manipulação de conceitos é a jurídica. Geralmente não lhes estraga o sabor e confere-lhes uma textura agradável. O seu grande pecado é a determinada altura não se conseguir descortinar onde acaba a carne e onde começa o molho. Por exemplo, no caso do eventual casamento entre homossexuais, não se entenderia onde acaba o contrato e onde começa a paneleirice.

[5] Detesto a moral mas adoro a moralização, o enquadramento moral; (isto é típico dos gajos com tendência simultânea para a tibieza e os escrúpulos). O Estado é a entidade do enquadramento moral por excelência a par dos taxistas do aeroporto. (as igrejas estão no patamar do azucrinamento e não do enquadramento). O Estado sem moral de Estado é uma espécie de código da estrada só com amarelo intermitente. Uma pitada de moralismo estético nunca fez mal a ninguém. Sem moralismo nem sequer há tolerância, que, como já se sabe, agora é obrigatória. Tudo o que queira um fundamento precisa duma moral; até o queijo de cabra.

[6] A organização social assenta no conceito de privação. Estarmos privados é estarmos organizados. A liberdade é apenas uma metafísica de existência, ou, como diria a nova filósofa do direito Isabel Moreira, nós somos livres mas não estamos livres. Ora o Estado deve ser o garante de que, neste e noutros domínios, o ser e o estar convivam o mais bem relacionados possível; a igualdade revela-se assim uma clássica técnica do Estado pós jacobino para manter os cidadãos com uma agradável sensação de seres com direitos. Todos sabemos que o estômago precisa de alimentos para subsistir, mas quando eles lá chegam todos dengosos e esperançosos, ele chama-lhes um figo e manda-lhes com ácido para cima. É a lei da digestão e uma das leis da sociedade leviatanica.

(sim, também vi o prózicontrash)

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