Garibaldi Soveral vendia enriquecimentos biográfico-morais. Não se tratava de identidades falsas, nem álibis, nem sequer historietas de engate e muito menos currículos ou passados de aluguer. Garibaldi pura e simplesmente convencia as pessoas suas clientes de que eram boas pessoas. Fazia de vícios virtudes e de maçadoras debilidades autênticas fortalezas de carácter, e tudo sem recurso a químicos, nem manipulações hipnóticas da consciência, nem a varrimentos arqueológicos da infância. Apesar das suas fartas habilitações académicas foi expulso de todas as ordens profissionais que certificavam poderes sobre a psique, e impedido de anunciar publicamente os seus serviços depois duma série de providências cautelares pedidas pelas mais diversas igrejas, que começavam a temer a total desertificação de confessionários e demais assembleias de dizimistas.
A técnica de Garibaldi, se lograr sintetizá-la, - jamais alcançá-la, nem mesmo compreendê-la - consistia em apresentar o bem como um êxtase, uma construção do espírito, um artesanato de escrúpulos, privações e ilusões. Extirpar completamente da alma os conceitos de verdade e autocrítica eram a primeira e imprescindível etapa. Por estranho que pareça, demonstrar que a verdade não interessa e que nós nunca nos conheceremos decentemente a nós próprios era algo bastante fácil. Antes do primeiro recibo verde de Soveral esta lição inicial estava assimilada. Nesta fase apenas desistiam os humildes e os orgulhosos. Garibaldi sabia que o seu produto se dirigia aos intermédios; a todos no fundo.
Regra geral um cliente começava a saber-se boa pessoa ao fim de 4 ou 5 sessões. O primeiro teste de confirmação da terapia era a leitura de Camus como se se tratasse duma obra cómica, e a leitura dos primeiros Dostoievski como se fossem erotismo camuflado. Não pense o leitor que se tratava de engenharias de consciência, com resultados bizarros de sadismos sublimados, ou alienações líricas, absolutamente: não. Mantinham-se nos clientes as perfeitas distinções do males e bens social e comummente aceites, prevaleciam sem alteração os juízos clássicos de sobrevivência e protecção dos mais fracos, e mesmo a maior intolerância para com a crueldade ou a hipocrisia dos mais fortes, e não desaparecia sequer a inquietação moral do seu quotidiano. O que sim estava consolidada era a tal convicção: eram, sentiam-se e sabiam-se, boas pessoas.
Garibaldi Soveral reformou-se com mais de 25.000 clientes em estado de assumida perfeição moral, e ele próprio com um nível de satisfação do dever cumprido, só ao nível de alguns bombeiros, biólogos marítimos ou parteiras. Nunca nenhum cliente, jornalista freelançado, ou inspector de costumes lhe conseguiu assimilar ou perceber a técnica, pois ele, quando lhe pediam uma explicação, apenas respondia de fleuma em riste: o nosso interior é traiçoeiro, o nosso eu-moral é um trabalho para especialistas, a nossa bondade é uma bricolage. O bem é um enredo.
A técnica de Garibaldi, se lograr sintetizá-la, - jamais alcançá-la, nem mesmo compreendê-la - consistia em apresentar o bem como um êxtase, uma construção do espírito, um artesanato de escrúpulos, privações e ilusões. Extirpar completamente da alma os conceitos de verdade e autocrítica eram a primeira e imprescindível etapa. Por estranho que pareça, demonstrar que a verdade não interessa e que nós nunca nos conheceremos decentemente a nós próprios era algo bastante fácil. Antes do primeiro recibo verde de Soveral esta lição inicial estava assimilada. Nesta fase apenas desistiam os humildes e os orgulhosos. Garibaldi sabia que o seu produto se dirigia aos intermédios; a todos no fundo.
Regra geral um cliente começava a saber-se boa pessoa ao fim de 4 ou 5 sessões. O primeiro teste de confirmação da terapia era a leitura de Camus como se se tratasse duma obra cómica, e a leitura dos primeiros Dostoievski como se fossem erotismo camuflado. Não pense o leitor que se tratava de engenharias de consciência, com resultados bizarros de sadismos sublimados, ou alienações líricas, absolutamente: não. Mantinham-se nos clientes as perfeitas distinções do males e bens social e comummente aceites, prevaleciam sem alteração os juízos clássicos de sobrevivência e protecção dos mais fracos, e mesmo a maior intolerância para com a crueldade ou a hipocrisia dos mais fortes, e não desaparecia sequer a inquietação moral do seu quotidiano. O que sim estava consolidada era a tal convicção: eram, sentiam-se e sabiam-se, boas pessoas.
Garibaldi Soveral reformou-se com mais de 25.000 clientes em estado de assumida perfeição moral, e ele próprio com um nível de satisfação do dever cumprido, só ao nível de alguns bombeiros, biólogos marítimos ou parteiras. Nunca nenhum cliente, jornalista freelançado, ou inspector de costumes lhe conseguiu assimilar ou perceber a técnica, pois ele, quando lhe pediam uma explicação, apenas respondia de fleuma em riste: o nosso interior é traiçoeiro, o nosso eu-moral é um trabalho para especialistas, a nossa bondade é uma bricolage. O bem é um enredo.
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