Todos sabemos que Deus está presente nos ambientes mais diversos, desde a majestosa cúpula duma catedral de gótico rendilhado até à mais recôndita sala onde se façam colonoscopias sem anestesia, no entanto, estou em crer que Deus aproveitou a primeira refeição com piri-piri dum qualquer neantherdalio para se insinuar na sua alma entre os espasmos duma primeira hemorroidal assanhada; ou seja, os primórdios da Teologia Cristã fundamentam-se num ardor que o homem sente mas para o qual não encontra explicação na sua dieta mais arrojada; é o famoso e determinante binómio fundador da civilização: mistério & picante.
Desde o Pecado Original até à Santíssima Trindade, passando pela Comunhão dos Santos e pela Ressurreição dos Mortos, estamos perante algo onde nem 5.000 anos de quadros da Paula Rego e entrevistas do Lobo Antunes conseguiriam sequer chegar perto. Estamos obviamente perante o património mais valioso que o homem soube construir, e sem ajuda de quaisquer aditivos químicos, se excluirmos o cheiro a mofo dos conventos de carmelitas.
O mero facto de ainda hoje lermos, embevecidos, gajos que passaram anos a fio em quartos húmidos e a comer pão escuro, e que escreveram autênticos trillers escolásticos, e nos parecerem tão convincentes a explicar a metafísica divina quanto Sócrates a vender material informático, é mais uma prova cabal de que estamos na presença da grande construção da Humanidade (logo seguida, reforço, pela perna esguia da mulher, que tanto merece estar no tecto da capela sistina, como na barra dum bordel; adiante)
Pensemos no que seria o homem sem saber da existência duma queda primordial baseada numa trincadela de curiosidade e ambição, sem saber que para além dum Pai Criador e dum Filho Redentor (antecipando em milénios a especialização do trabalho), ainda existe um Espírito Santo que inventou a voz off e as línguas de fogo, mas que ao fim e ao cabo são todos o Mesmo. Existirão simbolismos que cheguem aos calcanhares dum beijo de Judas, existirão hipocrisias mais ternurentas que as negações de S.Pedro? Existirá Musa mais encantadora que a Graça, ou motor mais forte que o Livre Arbítrio?
O que seria hoje dum ateu se não tivesse estas referências, o que seria hoje do quessefodismo militante se não existisse uma Igreja cheia de vícios e paramentos debruados a oiro, o que seria hoje da pintura abstracta se no Renascimento não tivessem passado o tempo a dar patine ao Criador, o que seria dos grupos corais sem Lutero, o que seria dos computadores portáteis se Magalhães não tivesse enfiado com o Credo pelo cú acima de várias tribos de índios, o que seria do surrealismo se Jesus não tivesse sido tentado pelo próprio diabo. O que seria da mulher se não existisse o Pecado.
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