Paróquia de Penacova, ano da graça de 2038

Reverenda Gracinda acaba de ser nomeada priora da paróquia de Penacova. Não só foi a primeira mulher portuguesa a ser consagrada com o sacramento da Ordem, como inclusivamente é a primeira a ser casada, neste caso com um moço chamado Inocêncio, que é dono duma rede de talhos que vai da Lousã a Oliveira do Hospital, e que, dizem, ajoelha melhor que duas carmelitas depois de quinze dias de jejum rigoroso.

Transcrevo aqui o seu primeiro sermão-convívio com os paroquianos.

«Queridos paroquianos, hoje é um dia muito importante para a Igreja em geral e para o baixo Mondego em particular, pois é nas suas franjas que o Senhor veio colocar a graça da sua generosidade. Eu, mais o meu Inocêncio, que também reza por todos vós, mas que hoje não pode estar aqui presente pois foi a um matadouro em Arganil escolher 10 bezerros numa promoção da febre aftosa, quero ser a primeira e mais humilde serva desta terra bendita, e inclusivamente já me fiz sócia do clube de vídeo.»

«Dona Priora, saiba de antemão que nós não temos preconceitos, e sabemos muito bem que Deus Nosso Senhor sofreu e morreu por todos nós e que se não escolheu apóstolas é porque não calhou, ou na altura não tinha verba para aqueles pensos mini-tanga que dão menos nas vistas.»

«Queridos, a abertura de espírito e a humildade de coração são o primeiro caminho para deixarmos o amor de Deus Nosso Senhor inundar a nossa alma. Penso que em conjunto poderemos fazer grandes obras aqui na margem deste bom rio, o nosso Jordão das Beiras, incluindo uma ou outra churrascada que o meu Inocêncio, já me prometeu, há-de fazer um bom desconto nas entremeadas.»

«Senhora dona Priora, temos ouvido dizer que se calhar não é verdade que as mulheres tenham saído duma costela do Adão, e noutro dia um senhor daqueles do bloco de esquerda até disse que já havia provas que isto foram uns macacos que se deram melhor com a acidez da bolota no estômago e que acabaram por conseguir evoluir para as bilis com pernas em que nos transformámos. Então, mas se não foi da costela foi donde?»

«Queridos, ainda noutro dia o meu Inocêncio me disse: ‘Tu pareces saída duma costela de charoleza, tal a fibra que tens, mulher, qualquer dia ainda chegas a Bispa e eu abro um talho em Coimbra’. Estão a ver, os homens falam muito em sentido figurado, se tivessem sido as mulheres a escrever as Sagradas Escrituras isto já estava tudo em pratos limpos, nem era preciso um Pentateuco, bastava um Triteuco e um arrozinho de manteiga e tinha-se arrumado logo a coisa.»

«ó Senhora Priora, isso é que é falar, então se calhar este ano é que compramos umas cortinas e um sino novo para a igreja, não?»

«Meus queridos irmãos, calhará bem até porque, tenho de vos anunciar, transporto a graça de Deus no meu ventre, e um novo paroquiano verá a luz reflectida do Mondego antes do novo Equinócio.»

«Ó que bênção, Priora! seremos a primeira paróquia com sacristia a cheirar a pó de talco em vez de incenso!»

«Ainda bem que ficastes felizes, o meu Inocêncio é que anda irritadiço porque diz que começou a ter uns sonhos em que lhe aparece o Anjo Gabriel ao lado do gerente do BES, e ele depois acorda-me com suores frios; peço-vos para serem compreensivos com ele, e se puderem comprem-lhe as espetadas de lombo de vitela que ele alivia.»

«Este ano no Natal teremos um presépio vivo! No barragem da Aguieira fará a lampreia a desova, mas a graça de Deus escolheu Penacova!»

«Será comungando desta felicidade que já convidei a Chicco a patrocinar os andores para a próxima Semana Santa; inclusivamente já tratei que pudessem ser articulados e coubessem na bagageira de qualquer carro, e ainda dá para os alugarmos à paróquia do Lorvão na Pascoela; seremos uma paróquia de referência.»

«Mas patroa, perdão, Priora, não acha que pode ser novidade a mais?... o rebanho também se alimenta das pequenas rotinas…»

«Meus queridos irmãos, tendes de abrir o coração aos desafios da fé, eu quero que olheis para o exemplo do meu Inocêncio, ele antes de começar a vender lombo de porco recheado com pasta de pinhão também achava que isso era muito arrojado, mas agora já nem quer outra coisa, e até já vem mais tarde para casa e diz-me que ficou a moer o pinhão.»

«Mas priora, quereis dizer-nos que a fé é como um pinhão que temos de ir moendo para rechear a nossa vida?»

«Ó irmãos, bênção das bênçãos, claras do meu molotoff, farinha da minha patanisca, juntos ainda faremos uma carta apostólica à base de torta de laranja, e o Domingo de Ramos será celebrado com nabiça para que não se desperdice nada para o caldo verde.»

5 comentários:

Anónimo disse...

São momentos da mais elevada espiritualidade, como o supra registado, que me fazem ter fé em úteros bem mandados por homens muito machos (bananas é na Colômbia, claro).

Anónimo disse...

ter fé é um passo importante, e se começar por úteros não faz mal, desde que depois vá subindo aos poucos.

Anónimo disse...

aahahhaha

Isto está delicioso e até tem janelinha para comentários

Anónimo disse...

aderi à fenêtrenité! :)

Anónimo disse...

ISTO DAS MULHERES NA RELIGIÃO TEM QUE SE LHE DIGA.
NÃO HA MULHERES NOS APOSTOLOS ,MAS
CRISTO APARECEU DEPOIS DE MORTO PRIMEIRO AS MULHERES.
NO LICEU DIZIAMOS QUE ERA PARA A NOTICIA SE ESPALHAR MAIS DEPRESSA....
ELE LA SABIA PORQUÊ...