Aqui já aconselhava mais uns toblerones

Seguramente que o leitor curioso ao abordar o novo livro de George Steiner traduzido para português (*) começará logo por aquele capítulo onde ele escreve que já deu belas quecas em quatro línguas diferentes. Pois eu fui lá direitinho e sem passar pela casa da partida, retendo-me logo na frase inspiradora de que «o donjuanismo semântico continua a ser uma terra incógnita à espera de ser percorrida e explorada». Que Deus nosso Senhor me proteja, dê forças e paleio, aguenta-te Jerusalém que eu vou a caminho da Terra Santa. Bem, mas entre referências eruditas e bibliófilas que transformarão para sempre qualquer foda num acto cultural, - seja ela pelo lado mais cul, seja pelo lado mais ural – tive forçosamente de me reter em dois pormenores, que deixo à consideração expressa dos senhores ouvintes (se encostarem bem o ouvido algum som sairá, já se sabe).

O primeiro tem a ver com a exaltação da riqueza da mulher (italiana, no caso) na utilização de todo o potencial erótico do «Cappuccino» na fase da primeira carga da brigada do desejo. De facto, porque se estraga tanto preliminar com um mero café pingado, ou mesmo uma água com gás, quando se poderá ter logo uma aproximação do êxtase com a contemplação e desfrute dum cappuccino? Felizes das mulheres que poderão tirar partido dum cappuccino bem tirado, é uma das principais mensagens do Steiner; não fora dar-se o caso de isto ainda vos poder vir a passar despercebido, tal o prosaico, e quiçá básico mesmo, que se pode apresentar. 'Apetecia-me um cappuccino bem tirado', devem repetir, treinando.

Não quero maçar, e este capítulo deve ser lido com calma, mas não prometo erecções com espasmo - a não ser que se vos enrole muito a língua a dizer Rabelais duas vezes seguidas, e Updike soletrado muito rápido me parecer dar boa serventia na hora de ter de cuspir algum pêlo residual. Contudo, não posso deixar passar em claro um detalhe do que G. S. conta que viveu com ‘V’, uma francesa «incendiada de ironia e compaixão»: «como se atreve a tratar-me por ‘Tu’?, ofegou V. no preciso momento em que eu lhe abria as formosas pernas: 'comment osez-vous'?». Steiner foi assim apanhado na ratoeira da coloquialidade e, nota-se, ficou para sempre refém daquilo a que ele chamou pomposamente as «cerimónias sintácticas».

Mas, no fundo, bem no fundo, (como diria a supracitada V. em fase de incêndio) a grande lição será sempre: arranjar algo que ‘legitime a obscenidade’, desde a ciência médica à educação primorosa, passando pelo Shakespeare.

(*) ‘Os livros que não escrevi’, Gradiva

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