Berlinde date
Conheciam-se de ouvir falar. Tinham-se tocado ao de leve num sonho breve e influenciado por uma música ligeira. Mas o momento tinha chegado e as suas mãos acabaram por se ir juntando com os tremores adequados à situação. O indicador dela pareceu-lhe uma obra directa de Deus, e o anelar dele foi uma visão de vício, a visão de uma carícia que um dia chegaria; mas antes de começarem a apreciar polegares os olhares cruzaram-se, sem um pestanejo, sem uma hesitação, pareciam dois bagos que tinham vivido sempre no mesmo arroz malandrinho, pois os sonhos serão sempre a melhor apresentação, tal como a imaginação é a melhor fornecedora de formigueiros. Ela pegou na pequena esfera de vidro e deixou-a cair, falhando a estocada propositadamente, estava ali para que ele lhe pegasse na mão e depois a levasse onde o Deus da física quisesse. Ele tinha umas mãos estranhas mas pareciam feitas para domar aqueles berlindes vadios e caprichosos. O suor começou a lubrificar-lhes a inocência e a timidez, as pontas e os nós já escorregavam entre si facilmente, e o primeiro laço fez-se ainda ela não tinha soprado a franja. Quando ele fez uma inesperada quincada de raspão ela largou o primeiro sorriso, e agarrou-lhe a mão como que dizendo «agora faz-me isso a mim», mas ele não percebeu e soprou o berlinde sujo daquela terra meio húmida que ainda transportava a memória duma chuva recente. Ela confidenciou-lhe que não gostava daquele gesto em que o dedo grande se desprendia do polegar, lembrava-lhe despedidas, mas ele, relativizava, e deu-lhe um toque desses no queixo, ela fechou os olhos e em simultaneo os dois pensaram que tinha sido outra coisa, talvez um beijo, talvez uma troca de peles, talvez uma coisa que já tinham ouvido falar. Os berlindes estavam espalhados e lembravam uma cidade às cores, e eles mediam os dedos, repartiam respirações, e disfarçavam os calores. As mãos juntas iam desenhando quilhas de barcos, setas afiadas, tranças mal apertadas, cabeças de animais, plantas carnívoras, e iam descobrindo a inevitabilidade daquela colagem de articulações, pois eram muito novos e ainda desconheciam a colagem de corações. Eram crianças, ambos iam fazer 10 anos, dobrariam o primeiro bojador digital, cada um encheria agora a sua vida com tantos anos quantos tinham as suas mãos, que agora eram íntimas, e tinham combinado secretamente, tão secretamente que nem eles proprios sabiam, ser este o dia em que se conheceriam; pegaram nos berlindes e fizeram uma promessa: a partir daí tudo rolaria, seriam filhos da combinação entre a pontaria e a inércia, do acaso e da vontade, da imaginação e do olhar, da força da perspectiva com a irregularidade do caminho.
Conheciam-se de ouvir falar. Tinham-se tocado ao de leve num sonho breve e influenciado por uma música ligeira. Mas o momento tinha chegado e as suas mãos acabaram por se ir juntando com os tremores adequados à situação. O indicador dela pareceu-lhe uma obra directa de Deus, e o anelar dele foi uma visão de vício, a visão de uma carícia que um dia chegaria; mas antes de começarem a apreciar polegares os olhares cruzaram-se, sem um pestanejo, sem uma hesitação, pareciam dois bagos que tinham vivido sempre no mesmo arroz malandrinho, pois os sonhos serão sempre a melhor apresentação, tal como a imaginação é a melhor fornecedora de formigueiros. Ela pegou na pequena esfera de vidro e deixou-a cair, falhando a estocada propositadamente, estava ali para que ele lhe pegasse na mão e depois a levasse onde o Deus da física quisesse. Ele tinha umas mãos estranhas mas pareciam feitas para domar aqueles berlindes vadios e caprichosos. O suor começou a lubrificar-lhes a inocência e a timidez, as pontas e os nós já escorregavam entre si facilmente, e o primeiro laço fez-se ainda ela não tinha soprado a franja. Quando ele fez uma inesperada quincada de raspão ela largou o primeiro sorriso, e agarrou-lhe a mão como que dizendo «agora faz-me isso a mim», mas ele não percebeu e soprou o berlinde sujo daquela terra meio húmida que ainda transportava a memória duma chuva recente. Ela confidenciou-lhe que não gostava daquele gesto em que o dedo grande se desprendia do polegar, lembrava-lhe despedidas, mas ele, relativizava, e deu-lhe um toque desses no queixo, ela fechou os olhos e em simultaneo os dois pensaram que tinha sido outra coisa, talvez um beijo, talvez uma troca de peles, talvez uma coisa que já tinham ouvido falar. Os berlindes estavam espalhados e lembravam uma cidade às cores, e eles mediam os dedos, repartiam respirações, e disfarçavam os calores. As mãos juntas iam desenhando quilhas de barcos, setas afiadas, tranças mal apertadas, cabeças de animais, plantas carnívoras, e iam descobrindo a inevitabilidade daquela colagem de articulações, pois eram muito novos e ainda desconheciam a colagem de corações. Eram crianças, ambos iam fazer 10 anos, dobrariam o primeiro bojador digital, cada um encheria agora a sua vida com tantos anos quantos tinham as suas mãos, que agora eram íntimas, e tinham combinado secretamente, tão secretamente que nem eles proprios sabiam, ser este o dia em que se conheceriam; pegaram nos berlindes e fizeram uma promessa: a partir daí tudo rolaria, seriam filhos da combinação entre a pontaria e a inércia, do acaso e da vontade, da imaginação e do olhar, da força da perspectiva com a irregularidade do caminho.
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