O mundo tem vindo, e continuará, tudo aponta, a construir-se peri-marxista e airosamente por entre a luta entre contrários, procurando distrair-se do real (ou virtual, é bom deixar todas as hipóteses em aberto) conflito que o homem leva consigo próprio (evitei criteriosa e filosoficamente a palavra ‘alienação’). Hoje o dicionário não ilustrado, vai directo às grandes clivagens que ajudaram o mundo a tornar-se mais telegénico do que a Teresa Guilherme, ou o Goucha ou mesmo as partes baixas do Ricardo Carvalho. (entradas 1211 a 1219)

Indivíduo / Estado – Conflito clássico, no qual radica o entretenimento de muito boa gente desde taxistas a liberais encartados; em regra qualquer indivíduo que se preze diz cobras e lagartos do Estado e qualquer Estado consciencioso faz de pântano para servir de melhor habitat às ditas espécies.

Crítico /artista – Representativo do eterno conflito entre os que não sabem fazer mais nada e os que não têm mais nada para fazer

Mulher /homem – Conflito que se baseia numa demasiada proximidade biológica jamais explicada pelas teorias da evolução, e que, cobardemente, deixaram tudo para resolver pelas teorias do coração.

Patrão / empregado – Fricção fundadora do movimento de capitalização do universo, claramente a alavanca que faltou descobrir a Arquimedes, o estado da natureza esquecido por Aristóteles, o big bang que escapou aos astrónomos.

Pila / preservativo – Mal sabia a serpente que o mundo ainda se iria dividir pelos problemas levantados por uma 2ª pele. Mas nunca saberemos ao certo se o bom ladrão alguma vez terá dito a alguém: «a bolsa ou a vida»; a redenção aqui veio sem parábola e sem legenda.

Comprador / vendedor – O equilíbrio entre a oferta e a procura é, como se sabe, o mesmo que se obtém entre o lixo e a co-incineração: só ganha realmente quem está longe a brincar com as derivadas ou os fees.

Ingleses/ Ricardo – Praticamente com a mesma força que o amor à primeira vista, este conflito é alimentado a creme esfoliante a fazer as vezes da vaselina

Norte/Sul – Desde os tempos em que os neandertales se encontravam com os cromagnons ali na côte d’azur, e não era para fazer sardinhadas, que este conflito anima o imaginário antropológico. O sul jamais se conformará em que o norte seja mais magnético, e o norte invejará sempre um sul mais poético.

Acção/ Pensamento – O sonho comanda a vida e a comichão comanda a mão. O pleno faz-se coçando-nos a dormir.

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