conto da papiróloga asmática

A sua tese de doutoramento tinha sido ‘ eu cá se fosse primeiro cristão também vos havia de foder o juízo’, e ganhava balanço a defender o papel dos ácaros no fortalecimento da fé, no aparvalhamento das ciências historico-líricas e no enriquecimento dos audiovisuais de charme.

Apanhada um dia a rezar o terço às escondidas e de cócoras na sacristia sombria duma abadia escocesa, foi imediatamente desconsiderada e mesmo ostracizada pelos seus pares, que nem se apiedaram com o ataque de espirros que a surpreendeu quando lhe saltou para o olho uma traça que vivia entalada no meio de dois hieróglifos que fornicavam apocrifamente entre os fólios 68 e 70. Não fora o toys r’us se ter interessado pelo seu trabalho científico e desenvolvido um baralho de cartas - especialmente destinado para paciências -inspirado nas seitas gnósticas dos cainitas, ofitas, naassenos e sethianos, que ainda hoje a boa da nossa papiróloga passaria o tempinho a traduzir Filastrios e Epifânios de copta para grego e grego para copta, e jamais teria chegado a ser conhecida carinhosamente no meio como a ‘bisca dos cainitas’.

A recuperação definitiva da sua imagem e credibilidade junto da comunidade dos paleontólogos amestrados do mar morto deu-se quando descobriu num post-it de folha de amendoeira que N. Senhora trocava de pechisbeques com Maria Madalena, e que teriam chegado mesmo a discutir quem iria usar uns brincos de madre pérola que o judas tadeu lhes tinha comprado numa loja de macabeus ( os chineses ainda não tinham chegado à zona). A história parecia possuir forte conteúdo teológico, até porque se encaixava com o manuscrito 4Q184 fls 27 e segs que falava duma mulher de forte conteúdo erotificante que ‘erguia as pálpebras travessamente para rasteirar os homens rectos e perverter os seus caminhos para longe dos mandamentos deixando-os a marchar fora dos trilhos da rectidão’. Parecia desmontada a charada, poderia agora extrapolar-se sem dificuldade: os primeiros cristãos queriam era franchizar os terços em madre pérola, enquanto uma seita gnóstica da comunidade de Qumran fez um lobbing tremendo para o uso maciço das continhas em madeira de cedro com tratamento envernizante. Era este o grande cisma oculto do início da cristandade, desmentindo a ideia da tardia introdução desta piedosa tradição.

Mas entretanto, um belo dia, a nossa papiróloga esqueceu-se de pôr a mão à frente, e com outro belo par de espirros lixou um documento que falava do problema de queda de cabelo que apoquentava Moisés e o fez derramar sobre as tábuas da lei um frasquinho inteiro de aminexil do Líbano, deixando-as que nem uma floresta de carapinha. Num duplo acidente forjado pelos desígnios da história, palentóloga e múmia juntaram-se para nos enfaraóficar a molécula, e para sempre a dúvida permanecerá: seria ‘não invocar o nome de Deus em vão’ e ‘não cobiçar a mulher do próximo’ , ou seria antes ‘não cobiçar a mulher em vão’ e ‘não invocar o nome de Deus ao próximo’. É que faz alguma diferença. Instalou-se então a ansiedade histamínica, o escrúpulo apocrifóbico e a alteração do ciclo hormonal na cientista dos papiros.

«Venham mas é daí uns gajos com uma aguarrás decente e resolvam-me esta trampa faxavor», foram as últimas palavras da papiróloga viciada em ventilan e febre dos fenos, que acabou por fugir com um maronita modelo da Esquire para uma gruta fresquinha e em início de escavação, patrocinada pela ‘Control’ e pela ‘Budweiser’, ali para os lados da polinésia francesa, onde Deus nosso Senhor poderia perfeitamente ter feito ultimas ceias à base de lagostins e percebes, e ter deixado os mandamentos inscritos em conchinhas da lei. Até porque a fé é biválvica, só se safa guardada dentro da esperança e da caridade.

(mad’am, não sei ao certo se com tanta converseta não terei repetido alguma coisinha, uma piadinha forçada, uma metáfora, um neologismo, ou assim)

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