Pascoela, olaré
(andei, qual formiguinha penitencial, a acumular indulgências numa cestinha de vide para agora as vir desbaratar aqui desta maneira)
Episodicamente traz-me aqui uma certa falta de pachorra para odisseias, povos eleitos, matrizes culturais e outros gilgameshes e agamemnones afins.
{1} Todos sabemos, fora os que apenas suspeitam e os que nem para aí estão virados, que o ‘direito natural’ e a ‘cultura’ e a ‘civilização’ sem Deus não serviriam nem para condimentar a sopa.
{2} Reduzir a verdade a um scrabble das mitologias pode continuar a parecer um entretenimento sofisticado para o oleamento dos neurónios mas nunca passará duma diversão para subversores metafísicos de bancada; ou seja, claro que podemos olhar para Jesus como um mito, ou como uma sublimação histórica ou sapiencial, ou como mais uma potencial personagem danbrowniana, tal como também podemos perfeitamente olhar para Amália como vendedora de limões, para Maradona como o tipo que marcou um golo com a mão, e no limite até podemos olhar para Platão como um razoável assentador de ladrilhos soltos no chão dos balneários gregos. Quando a carne atraiçoa voltarmo-nos para o molho é a melhor maneira de manter a família satisfeita.
{3} Mas sem um Deus verdadeiro e omnipresente tudo é sobrevivência. Ficamos todos reféns dum conflito de plausibilidade que nem o yogurte enfrenta ao ser confrontado com a sua forte dissemelhança com a vaca. Pior (talvez assim o pessoal se consciencialize): sem Deus todos somos comentadores políticos.
{4} Não parece fácil esta coisa de acreditar, isto de ser católico em ‘campo aberto’; um tipo alivia do canavial da dúvida e apanha logo com a seara da contradição. Por isso a Igreja sempre fomentou – instrumentalmente – várias espécies de ‘comunitarismo’(tanto defensivo como ofensivo'); mas Ela também sabe muito bem que todo o enraizamento em grupo é um fechamento.
{5} Por isso ainda hoje me é mais fácil ver a força e a lógica duma relação individual com Deus, do que uma estratégia nítida de corporativismos na Criação. Os momentos mais intensos da revelação são de um para um. (talvez até seja por isso que nalguns desportos a marcação à zona tem caído em desuso) O Cristianismo não se funda nem preconiza nenhum estereótipo (nem paradigma) associativo (leia-se por exemplo família) e parece-me bem claro que deixa caminho aberto para o homem gerir o seu equilíbrio entre um ser social e um ser individual. Uma ética de grupo pode ser um nó de gravata mal feito.
{6} Uma das febrilidades dos tempos é este novo triângulo mágico: cultura-cristianismo-europa. Ora a Igreja não se pode tornar numa guardiã das metáforas. E muito menos deveria andar a reescrever novos Génesis e Êxodos, como se fossem manuais de geografia antropológica, pois para isso já pagámos aos Borges, aos Steiners e alguns ainda pagam à corporación dermoestetica. E é por tudo isso que quando Fátima Bonifácio - no tão comentado 'Prós e contras' da semana passada - falou com tanta sapiência histérico sociológica da genuinidade da sua Europa branca, o cardeal Saraiva (todos o chamavam - e só a ele - por Senhor, reparem… se calhar é isso a tal raiz judaico-cristã…), em vez de lhe ter sacado a piedosa tendência de voto sobre a adopção por homossexuais ( apesar de ter sido giro, convenhamos), devia mas era tê-la mandado caprichar no pó de arroz.
{7} Animados agora pela nova redescoberta (bacoca, diga-se) do trágico na condição humana, procurando encontrar nela o fantasioso fecho do círculo e rebobinando existencialismos mal curados ou mal digeridos ou mal sacudidos, olhamos para a ‘civilização’ como um palácio mas sem querermos ser os bois. Esta coisa onde vivemos, e que vista do espaço é um berlinde azul, não precisa de matrizes culturais preservadas, isto precisa é de que se perceba que antes de 'todos' somos 'cada um' - soa balofo, mas é verdade bem densa. E sermos revestidos dessa fina película de perguntas sem resposta não nos faz transportar nada de ‘trágico’, da mesma maneira que eu não faço a mais pequena ideia da origem das pataniscas de bacalhau nem das raízes ontológicas do pecado e rezo à Mãe Santíssima para que ninguém leia isto.
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As Broncas de Caná
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