O Ano 2020
e o Jogo da Sueca no Gambrinus
Pereira, Sousa, Tavares e Valente, tinham finalmente o seu lugar na história: Guidinha (Margarida RP passara a usar este improvável pseudónimo para fugir do George que não lhe largava a peúga) escrevera uma versão light dos Lusíadas, chamada ‘Vai um arrozinho de polvo na Taprobana’ e tinha-os colocado praticamente ao nível de cronistas oficiais do reino, fazendo esquecer o velho do Restelo que agora parecia um mero afinador de taxímetros de aeroporto. Face à nova regra das reformas instituída por Sócrates estes quatro tinham mantido as suas colunas activas (mesmo que já meio marrecas) até idade avançada e agora, já com o país e a previdência salva, podiam dedicar-se ao seu verdadeiro ideal reprimido: borrifarem-se para a nação que os tinha alimentado e dizerem mal apenas uns dos outros, chamarem-se aldrabões à desgarrada, darem mútua, mas não simbolicamente, umas caneladas debaixo da mesa, fazerem graçolas ordinárias, dizerem mal do Peres Metelo e da Inês Pedrosa, enfim amarem-se à maneira portuguesa.
Pereira era inesperadamente o mais fadado para o jogo, mas quando punha aquelas suas mãozinhas entrelaçadas tipo fecho éclair sabia-se logo que o trunfo era copas e ele tinha o ás bem acompanhado; era um bocado previsível, e a sua claque geriátrica, mesmo sendo fiel, muitas vezes adormecia quando ele se punha a destrunfar com um arzinho convencido e a arrecadar as vazas como quem coleccionava editoriais do avante entre as Eva’s do Natal.
A previsibilidade de Tavares era um pouco diferente, tudo se baseava no movimento da franja e nos esgares de cara, e os suspiros da sua corte de reformadas denunciavam-lhe sempre o jogo, que, diga-se, era sempre tão mau que o Valente até dizia que ser parceiro dele se assemelhava a ser fabricante de hóstias na 1ª República.
Valente, esse, apresentava-se como um desconcertante jogador: dava sempre a entender que tinha uma mão de merda, que o baralho era seboso, que uma bisca aqui não valia metade dum terno em Londres, que o trunfo vinha sempre fora de tempo e sacava aplausos entusiásticos dos que se diziam especialistas do bridge e que só lá estavam de passagem para ver a bola. Sousa era o que aparentava estar mais deslocado. Chateava-lhe só poder jogar com as cartas dele, não poder escolher o trunfo e nem o olhar melancólico do seu harém de antigas entrevistadoras devidamente atestadas de doses cavalares de Lexotan o conformavam.
Mas eis pois senão quando, Pereira dá um salto e berra: «Alto, tenho um valete anónimo encafuado no meio das minhas cartas! ninguém sabe a que naipe pertence, as senas estão nervosas e já não tenho mão na dama de paus». Barreto, um assumido outsider da cartada, que entretanto tinha ido levar a CCSá & MnMónica à loja das meias e a um abaixo-assinado para o Bénard continuar à frente da programação das matinés do Quarteto, explicou que o grande atraso do jogo da sueca em Portugal continuava a dever-se ao fluxo migratório de duques de paus, que tinham um contacto muito mais reduzido com as quadras de copas do que na Europa do norte, e o índice de destrunfes iniciados em reis de espadas continuavam com as mesmas taxas de crescimento que os de damas de oiros na década de 60 nos baralhos italianos. Valente anuiu, disse que tinha mas era saudades dos livros policiais da sua princesa Clara Pinto Correia – que andava a escrever há dois meses uma crónica – original - sobre os problemas de conflito genético nos lares de 3ª idade – e Tavares, farto de Pereira, ameaçou que, ou se deixavam de paneleirices, ou escreveria mais um artigo sobre a praia do Meco e os restaurantes da costa vincentina.
Todos aliviaram, a perspectiva de mais um livro infantil passado no deserto do Sudão era ainda mais insuportável, e Sousa chegou a tentar aproveitar a confusão para, entre dois espirros simulados, trocar três cartas com o Valente, a quem já chamavam, evidentemente, o ‘valete’ para todo o serviço, tal a disponibilidade que apresentava sempre que era preciso fazer um ar distraído, fazer a ligação entre a nobreza das figuras e o povo, chamar bobos aos reis e dar um chuto no tampo da mesa com aquele aspecto de que não fazia mal nenhum pois a história e o jogo estão sempre a repetir-se.
A malta gostava, a malta pagava para os ver a meter os pés pelas mãos com as cartas; dizendo mal uns dos outros, iam decifrando os naipes ao povo, aquilo divertia-os, e no fundo antes aquilo que estar na bicha da caixa com o Armando Vara, rezar o terço com o Dalai Lama, ou ver o jogo de dominó entre o Lacão e o Lello no Jardim da Estrela. Nação distraída é nação instruída, quem não percebe isto não serve nem para a bisca lambida.
e o Jogo da Sueca no Gambrinus
Pereira, Sousa, Tavares e Valente, tinham finalmente o seu lugar na história: Guidinha (Margarida RP passara a usar este improvável pseudónimo para fugir do George que não lhe largava a peúga) escrevera uma versão light dos Lusíadas, chamada ‘Vai um arrozinho de polvo na Taprobana’ e tinha-os colocado praticamente ao nível de cronistas oficiais do reino, fazendo esquecer o velho do Restelo que agora parecia um mero afinador de taxímetros de aeroporto. Face à nova regra das reformas instituída por Sócrates estes quatro tinham mantido as suas colunas activas (mesmo que já meio marrecas) até idade avançada e agora, já com o país e a previdência salva, podiam dedicar-se ao seu verdadeiro ideal reprimido: borrifarem-se para a nação que os tinha alimentado e dizerem mal apenas uns dos outros, chamarem-se aldrabões à desgarrada, darem mútua, mas não simbolicamente, umas caneladas debaixo da mesa, fazerem graçolas ordinárias, dizerem mal do Peres Metelo e da Inês Pedrosa, enfim amarem-se à maneira portuguesa.
Pereira era inesperadamente o mais fadado para o jogo, mas quando punha aquelas suas mãozinhas entrelaçadas tipo fecho éclair sabia-se logo que o trunfo era copas e ele tinha o ás bem acompanhado; era um bocado previsível, e a sua claque geriátrica, mesmo sendo fiel, muitas vezes adormecia quando ele se punha a destrunfar com um arzinho convencido e a arrecadar as vazas como quem coleccionava editoriais do avante entre as Eva’s do Natal.
A previsibilidade de Tavares era um pouco diferente, tudo se baseava no movimento da franja e nos esgares de cara, e os suspiros da sua corte de reformadas denunciavam-lhe sempre o jogo, que, diga-se, era sempre tão mau que o Valente até dizia que ser parceiro dele se assemelhava a ser fabricante de hóstias na 1ª República.
Valente, esse, apresentava-se como um desconcertante jogador: dava sempre a entender que tinha uma mão de merda, que o baralho era seboso, que uma bisca aqui não valia metade dum terno em Londres, que o trunfo vinha sempre fora de tempo e sacava aplausos entusiásticos dos que se diziam especialistas do bridge e que só lá estavam de passagem para ver a bola. Sousa era o que aparentava estar mais deslocado. Chateava-lhe só poder jogar com as cartas dele, não poder escolher o trunfo e nem o olhar melancólico do seu harém de antigas entrevistadoras devidamente atestadas de doses cavalares de Lexotan o conformavam.
Mas eis pois senão quando, Pereira dá um salto e berra: «Alto, tenho um valete anónimo encafuado no meio das minhas cartas! ninguém sabe a que naipe pertence, as senas estão nervosas e já não tenho mão na dama de paus». Barreto, um assumido outsider da cartada, que entretanto tinha ido levar a CCSá & MnMónica à loja das meias e a um abaixo-assinado para o Bénard continuar à frente da programação das matinés do Quarteto, explicou que o grande atraso do jogo da sueca em Portugal continuava a dever-se ao fluxo migratório de duques de paus, que tinham um contacto muito mais reduzido com as quadras de copas do que na Europa do norte, e o índice de destrunfes iniciados em reis de espadas continuavam com as mesmas taxas de crescimento que os de damas de oiros na década de 60 nos baralhos italianos. Valente anuiu, disse que tinha mas era saudades dos livros policiais da sua princesa Clara Pinto Correia – que andava a escrever há dois meses uma crónica – original - sobre os problemas de conflito genético nos lares de 3ª idade – e Tavares, farto de Pereira, ameaçou que, ou se deixavam de paneleirices, ou escreveria mais um artigo sobre a praia do Meco e os restaurantes da costa vincentina.
Todos aliviaram, a perspectiva de mais um livro infantil passado no deserto do Sudão era ainda mais insuportável, e Sousa chegou a tentar aproveitar a confusão para, entre dois espirros simulados, trocar três cartas com o Valente, a quem já chamavam, evidentemente, o ‘valete’ para todo o serviço, tal a disponibilidade que apresentava sempre que era preciso fazer um ar distraído, fazer a ligação entre a nobreza das figuras e o povo, chamar bobos aos reis e dar um chuto no tampo da mesa com aquele aspecto de que não fazia mal nenhum pois a história e o jogo estão sempre a repetir-se.
A malta gostava, a malta pagava para os ver a meter os pés pelas mãos com as cartas; dizendo mal uns dos outros, iam decifrando os naipes ao povo, aquilo divertia-os, e no fundo antes aquilo que estar na bicha da caixa com o Armando Vara, rezar o terço com o Dalai Lama, ou ver o jogo de dominó entre o Lacão e o Lello no Jardim da Estrela. Nação distraída é nação instruída, quem não percebe isto não serve nem para a bisca lambida.
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