Conto das «perversas polimorfas» (*) : every body hurts
Ele gostava de metonimizar as mulheres como marcas de electrodomésticos. Catalogava-as pelo seu comportamento sexual com uma linguagem já muito própria. Mas eram coisas que só ele decifrava, encaixariam apenas no seu peculiar código lírico-libidinal.
A Candy. A possibilidade de criar um ambiente de vibração sem que ele começasse logo a verter fluidos por todo o lado era uma das suas prorrogativas. Tinha uma espantosa capacidade de vedar os excedentes da excitação mais preliminar, e fazia-o ingenuamente pensar que era ele que estava a escolher o programa mais acertado. Mesmo naqueles dias em que ele arriscava a estoicidade e capacidade de abstracção dela e punha os Lambshop a cantarem ‘I hate Candy’, ela demonstrava que não era uma amante problemática e oferecia-se sem restrições para todas as posições que lhe parecessem letras do alfabeto grego. O estrebucho final resumia-se a uma espremidela - de pontos negros, afinal; glutões no seu imaginário pós-coital que estava mais povoado do ‘Candy, it´s been really nice, but I’ve got to go’ (dos magnetic fields). Era profissionalmente amadora.
A Philips. Com ela sentia-se sempre no banco de trás de uma limousine, marcava o ritmo como em ‘Laura’ dos Scissor Sisters e ia dizendo ‘you know what I mean’ cada vez que lhe afastava a merda do engate do cinto de segurança de zonas que pensava já serem seu exclusivo nessa altura. Terminavam invariavelmente a ver o dvd do ‘Always’ no parque de estacionamento do Cascais shopping, comendo pistachios da Ramazzoti e jurando fidelidade àqueles estofos de pele. Muitos mirones acabaram por não saber quem matou o António por causa duma sessão de ejaculação mais arrastada. Antes da despedida fumavam um charro a meias espreguiçando-se ao lado da prateleira das promoções dos tira-nódoas aproveitando para desempenar os efeitos na coluna.
A Teka. «Tens micro-ondas de paixão» dizia ele encaracolado no prato giratório dorsal e ainda mal refeito dos suores repentinos. «Sexo é apenas temperatura» dizia-lhe ela tentando forçar a sua erecta capacidade de brincar com terminações e consoantes mais esperneantes. «Depende muito» - respondia ele já em fase mole; grafologicamente ele era considerado uma pessoa inconstante apesar de ter uma inclinação bem definida, e ela tinha-se tornado especialista em lhe arredondar as arestas semanticas mais irrequietas. Acabava por ser uma união essencialmente copulativa apesar de tanta conversa de aparência substantiva e desgarrada. Eram geralmente vencidos pela sedução gramatical dum tapete afegão em frente a uma lareira. Estavam conscientes que o calor interno é sempre falacioso, mas também cioso do falo e rapidamente se transforma em ardor quando menos se espera. A Rita Lee não se terá lembrado, mas amor é licor beirão e sexo é raposeira, só que antes uma boa comichão que uma pila sem eira nem beira (vendo bem não resisti).
A Míele. Parecia que estava ali sempre para as curvas. Orgasmava-se que nem um relógio, as pernas abriam-se como num ângulo pré definido, o gemido era réplica da billie holiday e se fosse preciso fazia meias luas com órbitas helicoitais. Fornicar era um regalo. Mas. Um sussurro soprado podia ser uma corrente de ar, um cotovelo era a ponta duma bigorna, uma luminosidade maior que a conta fazia-lhe o leito parecer um luna park e um carinhoso rosnar poderia transformá-la numa autêntica gazela enxertada de avestruz. Aquilo era levado como mais uma modalidade olímpica, ele fazia de tapete umas vezes, noutras de argola, e nos melhores dias fazia de paralelas. Por mera misericórdia poupava-o à figura de cavalo com arções. Mas não era egoísta, no fim, para desinfectar, passava tudo pela sua amiga Vaporeto que tinha sempre a última palavra.
A Bosh. ‘Try not to breath’, estava ela sempre a dizer, «porra, se era para me estares a lembrar dos REM não valia o trabalho» pensou ele da primeira vez. Mas rapidamente se apercebeu que estava na presença duma mulher que não dava cavaco a tabus. Tudo era curva, tudo era carne, tudo era encaixe, tudo era fluido, tudo era válvula, tudo era escape. A surpresa era a sua arma de arremesso, descomprimir significava um risco e virar-lhe costas podia desencadear um autêntico atentado ao pudor. «És um imberbe, Quim» dizia-lhe ela trocadilho-provocantemente com uma aparafusadora numa mão e uma bucha na outra. Tudo era jogo, tudo era batota, tudo era trunfo, tudo era Joker. Acabavam sempre a arfar. Envoltos na poeira de quem aspira e esfrega, mas nunca deixa nada a brilhar.
A Ariston. Chegava a teorizar enquanto comia um yogurte purificador: basicamente o sexo nem era bom nem mau, era apenas uma coisa para se fazer limpinho e sem perfurações desnecessárias. O ‘acto’ era inclusivamente algo não designável: era as ‘coisas’, ou o ‘aquilo’, e nos dias melhores usava um verbo, o ‘fazer’. Nunca uma função foi tão dramaticamente instrumentalizada num ‘porque é assim’. ‘Cumprir’ era a palavra de ordem, ‘prazer’ uma marcha sincopada, e ‘fantasia’ uma guia de marcha. Mas às vezes sabiam-lhe bem as coisas certinhas e sem sobressaltos, numa trincheira também se podem ganhar batalhas, não se via a cara do inimigo e havia sempre ração de combate. Tudo estava ligado, tanto mais que roupa lavada e barriga cheia rimam com glândula aliviada e estima em apneia. E raramente um torcicolo interrompia a pendularidade daqueles momentos porque os músculos já sabiam com antecedência que aquele seria dia de oficial abanar. Nunca era o corpo que pagava, porque era a alma que vivia constantemente no prego.
A Zanussi. Só ele soubera adivinhar o sítio onde ela ligava à terra, só ele conseguia descobrir quando uma mulher assim ainda poderia centrifugar mais um pouco antes de ficar totalmente seca. Meio pastorinha de prado, meio mulheraça de esquina, mão ora na anca de esguelha, ora arredondando a franja em volta da orelha, era um fenómeno de fusão, um milagre da química, da física, da estatística, da criação, no fundo. O sexo em formato de acto era igual ao sonho em formato de sublimação. Pegava nela com o cuidado duma poncheira e com a firmeza duma rebarbadora, sentia-se meio maquilhador, meio torneiro mecânico e chorava românticos pingos de solda. Fecundava sem filtro mas sem medo de fazer borra.
E no fim, quando tudo já lhe doía
chegava a Moulinex a cantar,
E então já se sabia:
Ou fodia,
Ou ela punha-o a andar.
(*) expressão usada por Woody Allen em ‘Annie Hall’ ( julgo)
Ele gostava de metonimizar as mulheres como marcas de electrodomésticos. Catalogava-as pelo seu comportamento sexual com uma linguagem já muito própria. Mas eram coisas que só ele decifrava, encaixariam apenas no seu peculiar código lírico-libidinal.
A Candy. A possibilidade de criar um ambiente de vibração sem que ele começasse logo a verter fluidos por todo o lado era uma das suas prorrogativas. Tinha uma espantosa capacidade de vedar os excedentes da excitação mais preliminar, e fazia-o ingenuamente pensar que era ele que estava a escolher o programa mais acertado. Mesmo naqueles dias em que ele arriscava a estoicidade e capacidade de abstracção dela e punha os Lambshop a cantarem ‘I hate Candy’, ela demonstrava que não era uma amante problemática e oferecia-se sem restrições para todas as posições que lhe parecessem letras do alfabeto grego. O estrebucho final resumia-se a uma espremidela - de pontos negros, afinal; glutões no seu imaginário pós-coital que estava mais povoado do ‘Candy, it´s been really nice, but I’ve got to go’ (dos magnetic fields). Era profissionalmente amadora.
A Philips. Com ela sentia-se sempre no banco de trás de uma limousine, marcava o ritmo como em ‘Laura’ dos Scissor Sisters e ia dizendo ‘you know what I mean’ cada vez que lhe afastava a merda do engate do cinto de segurança de zonas que pensava já serem seu exclusivo nessa altura. Terminavam invariavelmente a ver o dvd do ‘Always’ no parque de estacionamento do Cascais shopping, comendo pistachios da Ramazzoti e jurando fidelidade àqueles estofos de pele. Muitos mirones acabaram por não saber quem matou o António por causa duma sessão de ejaculação mais arrastada. Antes da despedida fumavam um charro a meias espreguiçando-se ao lado da prateleira das promoções dos tira-nódoas aproveitando para desempenar os efeitos na coluna.
A Teka. «Tens micro-ondas de paixão» dizia ele encaracolado no prato giratório dorsal e ainda mal refeito dos suores repentinos. «Sexo é apenas temperatura» dizia-lhe ela tentando forçar a sua erecta capacidade de brincar com terminações e consoantes mais esperneantes. «Depende muito» - respondia ele já em fase mole; grafologicamente ele era considerado uma pessoa inconstante apesar de ter uma inclinação bem definida, e ela tinha-se tornado especialista em lhe arredondar as arestas semanticas mais irrequietas. Acabava por ser uma união essencialmente copulativa apesar de tanta conversa de aparência substantiva e desgarrada. Eram geralmente vencidos pela sedução gramatical dum tapete afegão em frente a uma lareira. Estavam conscientes que o calor interno é sempre falacioso, mas também cioso do falo e rapidamente se transforma em ardor quando menos se espera. A Rita Lee não se terá lembrado, mas amor é licor beirão e sexo é raposeira, só que antes uma boa comichão que uma pila sem eira nem beira (vendo bem não resisti).
A Míele. Parecia que estava ali sempre para as curvas. Orgasmava-se que nem um relógio, as pernas abriam-se como num ângulo pré definido, o gemido era réplica da billie holiday e se fosse preciso fazia meias luas com órbitas helicoitais. Fornicar era um regalo. Mas. Um sussurro soprado podia ser uma corrente de ar, um cotovelo era a ponta duma bigorna, uma luminosidade maior que a conta fazia-lhe o leito parecer um luna park e um carinhoso rosnar poderia transformá-la numa autêntica gazela enxertada de avestruz. Aquilo era levado como mais uma modalidade olímpica, ele fazia de tapete umas vezes, noutras de argola, e nos melhores dias fazia de paralelas. Por mera misericórdia poupava-o à figura de cavalo com arções. Mas não era egoísta, no fim, para desinfectar, passava tudo pela sua amiga Vaporeto que tinha sempre a última palavra.
A Bosh. ‘Try not to breath’, estava ela sempre a dizer, «porra, se era para me estares a lembrar dos REM não valia o trabalho» pensou ele da primeira vez. Mas rapidamente se apercebeu que estava na presença duma mulher que não dava cavaco a tabus. Tudo era curva, tudo era carne, tudo era encaixe, tudo era fluido, tudo era válvula, tudo era escape. A surpresa era a sua arma de arremesso, descomprimir significava um risco e virar-lhe costas podia desencadear um autêntico atentado ao pudor. «És um imberbe, Quim» dizia-lhe ela trocadilho-provocantemente com uma aparafusadora numa mão e uma bucha na outra. Tudo era jogo, tudo era batota, tudo era trunfo, tudo era Joker. Acabavam sempre a arfar. Envoltos na poeira de quem aspira e esfrega, mas nunca deixa nada a brilhar.
A Ariston. Chegava a teorizar enquanto comia um yogurte purificador: basicamente o sexo nem era bom nem mau, era apenas uma coisa para se fazer limpinho e sem perfurações desnecessárias. O ‘acto’ era inclusivamente algo não designável: era as ‘coisas’, ou o ‘aquilo’, e nos dias melhores usava um verbo, o ‘fazer’. Nunca uma função foi tão dramaticamente instrumentalizada num ‘porque é assim’. ‘Cumprir’ era a palavra de ordem, ‘prazer’ uma marcha sincopada, e ‘fantasia’ uma guia de marcha. Mas às vezes sabiam-lhe bem as coisas certinhas e sem sobressaltos, numa trincheira também se podem ganhar batalhas, não se via a cara do inimigo e havia sempre ração de combate. Tudo estava ligado, tanto mais que roupa lavada e barriga cheia rimam com glândula aliviada e estima em apneia. E raramente um torcicolo interrompia a pendularidade daqueles momentos porque os músculos já sabiam com antecedência que aquele seria dia de oficial abanar. Nunca era o corpo que pagava, porque era a alma que vivia constantemente no prego.
A Zanussi. Só ele soubera adivinhar o sítio onde ela ligava à terra, só ele conseguia descobrir quando uma mulher assim ainda poderia centrifugar mais um pouco antes de ficar totalmente seca. Meio pastorinha de prado, meio mulheraça de esquina, mão ora na anca de esguelha, ora arredondando a franja em volta da orelha, era um fenómeno de fusão, um milagre da química, da física, da estatística, da criação, no fundo. O sexo em formato de acto era igual ao sonho em formato de sublimação. Pegava nela com o cuidado duma poncheira e com a firmeza duma rebarbadora, sentia-se meio maquilhador, meio torneiro mecânico e chorava românticos pingos de solda. Fecundava sem filtro mas sem medo de fazer borra.
E no fim, quando tudo já lhe doía
chegava a Moulinex a cantar,
E então já se sabia:
Ou fodia,
Ou ela punha-o a andar.
(*) expressão usada por Woody Allen em ‘Annie Hall’ ( julgo)
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