Acreditares imaginários (II) com sequelas em roda livre
Tinha ouvido dizer ao Ortega que «os homens podem dividir-se em três classes: os que se crêem Don Juan, os que acreditam tê-lo sido e os que acreditam que o poderiam ter sido, mas não quiseram» e então, no intervalo entre dois pecados veniais e uma Ave-maria rezada às arrecuas, decidiu-se por deixar Deus fazer o servicinho à maneira d’Ele. Começou num estilo calvinista, metade cantado metade dançado, compatível com paleio de entardecer, e definiu para si dois ou três complexos do foro intimo para o acompanharem e que lhe garantissem pelo menos um aspecto intelectualmente interessante mas piedosamente aconchegavel. Foi acometido do dom apostólico da versatilidade e tanto reconfortava viúvas que extravasavam indulgências como concubinas que deficitavam carências. Na afectividade fácil e no verbo afoito encontrava o adubo que lhe faltava na doutrina débil, e nos dias de soberba mais acicatada achava-se um S. Francisco de bordel, um missionário nas terras do gineceu profundo e longínquo. Era especialista em ameaçar com a frase do ‘atire a primeira pedra’ e chegou a apaixonar-se por uma filha pródiga que tinha saído mal da parábola dos talentos. Baralhava tudo mas sentia-se transversal, Deus pagava-lhe o acreditar marialva com uma existência que dispensava grandes profundidades de carácter. Afastado o credo da boca acabava por transportá-lo nos bolsos a fazer de contra peso ao andar gingão e ao facto de só invocar o santo nome de Deus em vão. Tinha sido dispensado dessa tábua da lei a troco de envernizar talhas corrompidas e de tirar o caruncho a confessionários com escritos.
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