As leitoras imaginárias não param de me escrever. E alto lá com elas.
Mas eu nunca deixei ninguém apeado no meio do tablado.

Kristeva,

filha, não leves tão a peito o que eu escrevo, não vês que é como aquela coisa que tu dizias do contínuo processo de significação, uma espécie de fusão entre o ‘divã’ e o ‘eterno retorno’, e uma moça como tu não devia desleixar tanto das lides da casa para me ler, porque depois vai-se a ver é o que fica duma mulher, essa boa consciência do dever cumprido, ora vê lá eu, só me arrasto por aqui porque não tenho jeito para o bricolage, e por isso meia volta estou sempre a ouvir que «as larachas parvas e as ideias mirabolantes não seguram candeeiros, nem desentopem autoclismos», mas pronto deixo-me levar se calhar por aquela coisa do ‘prazer do texto’ como dizia aquele pachola do teu amigo Barthes, e que no fundo deve ser a mesma coisa que sente a cozinheira quando lhe vão aos queques enquanto eles ainda estão quentinhos; Júlia, minha santa, tu um dia ainda devias experimentar, pegavas nessa coisa da semiótica, e com um pãozinho daquele em forno de lenha fazias uma sopinha de cebola gratinada que os teus amigos do 'tel quel' até te chamavam fada búlgara. E assim ainda te libertavas dos fantasmas que carregas por causa do teu nome de fusão entre Cristo e Eva, e em vez da psicanálise e dessa perseguição que sentes ao género feminino, acompanhavas com uma jeropiga e dançavas um cancan. Uma mulher quer-se estruturalista, filha, senão depois já se sabe, cada um põe-se a escolher a sua ementa e é ver-se azedar a comida toda no frigorífico e depois tu é que ficas como a desgovernada, e vai daí ó te agarras outra vez aos símbolos do costume ou então dá em merda porque a livre associação está sempre à espreita. Pois daquele que te aprecia e estima, e já sabes se te doer a cabecinha experimenta uma aspirina.

Sem comentários: